As narrativas começam com a própria história da humanidade e fazem parte de todas as civilizações e apresentam-se sob os mais variados gêneros: mito, lenda, fábula, conto, novela, romance, histórias em quadrinhos, cinema, etc.
Roland Barthes, no texto Introdução à análise estrutural da narrativa afirma que:
não há em parte alguma povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm suas narrativas…
Sobre o papel das narrativas, o escritor austríaco Robert Musil (1880 – 1942), em sua obra mais conhecida, o romance O homem sem qualidades, afirma que
no relacionamento básico com si mesmo, a maioria dos homens são contadores de histórias.
As narrativas materializam-se em textos, eles sejam verbais orais ou escritos, não verbais e mistos, aqueles que misturam linguagens diferentes, como as histórias em quadrinhos. As reflexões sobre a narrativa que apresento neste artigo restringem-se a textos exclusivamente verbais.
Dispomos de uma competência narrativa. Isso significa que conseguimos distinguir textos que contam uma história dos que não contam. Somos também capazes de reconhecer versões diferentes de uma mesma história, de resumi-la, de contá-la para outros e de reconhecer quem é o narrador. As narrativas podem se referir a um fato real ou imaginário. O fato narrado em geral é uma ação atribuída a agente humano ou antropomorfizado (como nas fábulas). A principal característica das narrativas literárias é o fato de serem ficcionais. Suas formas mais comuns na atualidade são o conto, o romance e a novela. Como adiantei no título, neste artigo trato apenas do conto.
O Conto
O conto é um gênero narrativo que costuma ter sido definido pela sua extensão, o que determina que possua, quanto à sua estrutura, características especiais, que o diferenciam de outras formas narrativas em prosa (novela e romance). Não há propriamente uma definição de conto, o melhor seria dizer que há teorias do conto, enquadradas numa teoria mais ampla, a narratologia, que é o estudo das formas narrativas literárias e não literárias.
Mário de Andrade (1893 – 1945), para quem conto é aquilo que seu autor batizou de conto, já chamava a atenção para esse fato ao iniciar seu conto Vestida de negro com a seguinte afirmação:
Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade.
O conto, assim como os outros gêneros, se manifesta de formas diferentes dependendo do autor e da época. Isso é visível quando se compara um conto recolhido pelos irmãos Grimm a contos de Cortázar, Hemingway, Borges, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, por exemplo. Por isso não apresento uma definição de conto. Prefiro, apoiado em alguns autores e teorias sobre o conto, apresentar as características desse gênero literário, por meio de analogias a outras formas narrativas, particularmente o romance.
O conto é uma narrativa condensada (em inglês é denominado short-story), que apresenta um número pequeno de personagens, unidade de tempo restrito, normalmente centrado em um único evento, abdicando de análises minuciosas, digressões e descrições pormenorizadas. Se o romance é um gênero ligado à tradição escrita, o conto tem, como assinalei, suas origens na tradição oral, no ato de contar histórias, que eram passadas de geração a geração.
O conto popular distingue-se do conto literário na forma de transmissão e, consequentemente, na de recepção. No primeiro, a transmissão é oral e a recepção se dá em tempo real. A narrativa é dirigida a um auditor. No segundo, a transmissão é escrita e a recepção se dá a posteriori. A narrativa é dirigida a um leitor. Essas diferenças trazem consigo outras, como a mudança da linguagem e, no caso do conto literário, a expansão do público receptor, que passa a ser mais heterogêneo, uma vez que a circulação dos textos passa a não se restringir apenas à comunidade sociocultural para quem as histórias são narradas.
Outra distinção entre o conto popular e o conto literário reside na autoria, enquanto os primeiros são anônimos, os segundos possuem autoria definida. Os contos populares têm servido de matéria-prima para a elaboração de obras literárias, por isso é comum encontrar ecos ou referências diretas ou indiretas a eles em contos e romances modernos. A personagem Oskar do romance O tambor, do escritor alemão Günther Grass, é inspirado no Pequeno Polegar. Guimarães Rosa inicia seu conto Conversa de bois fazendo referência aos contos maravilhosos:
Que já houve um tempo em que eles conversavam, entre si e com os homens é certo e indiscutível, pois que bem comprovado nos livros das fadas carochas.
Nos contos do escritor moçambicano Mia Couto, em que realidade e fantasia se fundem, ressoam vozes de histórias da tradição oral africana.
O romance é cumulativo, ou seja, nele há uma sucessão de eventos que se encadeiam em direção ao clímax e, posteriormente, ao desfecho. O conto, por ser limitado em sua extensão, procura captar um momento, um instantâneo.
O contista e teórico do conto Júlio Cortázar (1914 – 1984) compara o romance a um filme enquanto o conto é comparado a uma fotografia. Para esse autor, o romance realiza uma abordagem horizontal; o conto, uma vertical. Por ser uma narrativa condensada, o conto elimina tudo o que é acessório, centrando-se naquilo que é essencial à trama, evitando intrigas acessórias. Uma frase de Cortázar ilustra bem a diferença entre o conto e romance:
o romance ganha sempre por pontos, enquanto o conto deve ganhar por nocaute.
Para um outro grande contista e também teórico do conto, Edgar Allan Poe, a extensão é requisito fundamental do conto, já que esse gênero literário deve buscar uma unidade de efeito, enganar, aterrorizar, encantar ou deslumbrar, e essa só pode ser conseguida se o texto for possível de ler numa assentada, de meia a duas horas.