Este artigo de opinião visa, acima de tudo, mostrar alguns pontos positivos e negativos acerca da capital portuguesa. São abordados, de forma sucinta, determinados fatores económicos e políticos, entre outros, que influenciam a visão e o parecer que temos relativamente à cidade de Lisboa.
Se compararmos com a restante Europa, obviamente que Portugal, e neste caso concreto Lisboa, apresenta as vantagens sobejamente conhecidas e enunciadas pela grande maioria das pessoas. O clima é essencialmente ameno, possui uma luminosidade única, uma população simpática e hospitaleira, bons níveis de segurança, um serviço público escolar e hospitalar de qualidade, uma rede de transportes que engloba metro, autocarros, comboios e barcos - todos eles a proporcionarem acesso diário à capital -, um contraste vibrante entre o antigo e o novo, entre o tradicional e o moderno, enfim, uma capital de charme com praia, campo e serra nas suas imediações e que se encontra inserida num Estado que apresenta cerca de 10,6 milhões de habitantes distribuídos por uma área total de 92.212 Km², segundo o Portal Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
Ao observarem estes atributos, creio que muitas pessoas ficarão tentadas a descobrir mais sobre a cidade onde nasci e cresci. E, na minha modesta opinião, fazem bem! Primeiro porque o conhecimento realmente não ocupa lugar, posteriormente porque é uma cidade relevante em termos históricos, não deixando de ser, ao mesmo tempo, um local cosmopolita, e em terceiro lugar porque, efetivamente, predicados como os que enunciei não estão ao alcance de qualquer cidade!
Então, poder-se-á perguntar o leitor, qual o sentido do título deste artigo? Parece-me ser uma “rica capital”, uma cidade de vários encantos, dir-me-á. Bom, afirmarei eu, estes são realmente pontos positivos, apresentados de uma forma bastante simplista, mas ao mesmo tempo não deixam de ter o seu grau de verdade. O objetivo deste artigo passa, contudo, por explorar um pouco mais as qualidades que enunciei e abordar outros aspetos que levem o caro leitor, ou leitora, porque aqui não se colocam questões de género, a conhecer melhor a capital da República Portuguesa e, ao mesmo tempo, a refletir um pouco mais sobre determinados aspetos político-económicos que acabam por ser transversais ao mundo em que vivemos.
Os elementos que salientei anteriormente focam, principalmente, os grandes centros urbanos, nomeadamente a cidade em análise neste artigo, Lisboa. A Área Metropolitana de Lisboa (AML), engloba 18 municípios e possui cerca de 2,9 milhões de habitantes, sendo a 17ª área metropolitana mais populosa da União Europeia. Já a cidade de Lisboa, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), à data dos Censos de 2021, apresenta uma área urbana de 100 km² e, aproximadamente, 546 mil habitantes. Tanto a cidade de Lisboa como os restantes municípios compreendidos na AML, apresentam alguns pontos semelhantes não sendo, no entanto, rigorosamente iguais. Aspetos como a empregabilidade, os meios de transporte existentes, o imobiliário, ou mesmo fatores de diversidade histórica e cultural são, desde logo, díspares.
Realizado este enquadramento, vamos agora focar-nos em Lisboa, cidade provavelmente fundada pelo povo fenício e que foi conquistada aos mouros e colocada sob domínio cristão, em 25 de outubro de 1147, pelo primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Se o clima da capital portuguesa é, em grande parte do ano, ameno e não apresenta invernos muito rigorosos, a realidade é que a grande maioria dos edifícios não apresenta condições satisfatórias que permitam às pessoas estarem confortáveis dentro das suas habitações. Portugal, de acordo com dados do Eurostat, é o quarto país da Europa que mais sofre ao nível da pobreza energética nas habitações. Quais as razões? Segundo dados da Agência para a Energia (ADENE), cerca de 70% das habitações atualmente certificadas têm baixa eficiência energética (C ou menos), ou seja, um conforto térmico baixo.
Mas, pergunta-me o leitor, porque não se aposta, a nível global, numa melhoria significativa dos edifícios e das condições de conforto térmico dentro das habitações? Resposta simples. Porque financeiramente não é viável para a grande maioria das famílias portuguesas. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), proposto pelo Governo português, está a canalizar verbas para a questão energética, no entanto, é incompreensível que, em Portugal e numa cidade como Lisboa, apesar do clima convidativo que apresenta, a eficiência energética dos edifícios não seja uma prioridade. É impensável que ainda exista um vasto número de famílias a passar frio dentro das suas habitações, seja porque a construção não garante o conforto térmico desejável, ou porque a condição económica da maioria da população não permite esse “luxo”.
No que concerne à segurança, segundo o Global Peace Index 2021, Portugal é um dos cinco países mais seguros do mundo e o segundo entre os países da União Europeia, logo a seguir à Dinamarca. Este é um indicador muito positivo, não só para a população residente no país, como também reforça a imagem global de Portugal, algo que é importante para a captação de investimento estrangeiro e para a existência de elevadas taxas de turismo. Ao analisarmos alguns dados fornecidos pelo INE, também referentes ao ano de 2021, observamos que a taxa de criminalidade na AML é de 37,1% (nesta incluo crimes contra a integridade física, furtos, crimes contra o património, entre outros). Na cidade de Lisboa, essa mesma taxa situa-se nos 47,6%.
Não obstante, existe um progressivo envelhecimento dos efetivos das forças de segurança e uma falta de investimento público face às infraestruturas necessárias ao exercício quotidiano das funções de segurança no país. A contratação de novos agentes das forças de segurança é uma necessidade premente, mas que esbarra nas condições de trabalhado oferecidas.
O serviço público respeitante ao ensino e à saúde, assim como ao nível do setor dos transportes públicos, acaba por apresentar uma grande disparidade consoante as zonas do país. Em Lisboa, as manifestações e as greves da função pública sucedem-se a um ritmo vertiginoso desde que o XXIII Governo Constitucional de Portugal, de maioria absoluta, tomou posse em janeiro de 2022. Quando olhamos para as estatísticas de greves da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), verificamos que no primeiro mês deste ano existiram 204 pré-avisos de greve, quase tantos como no somatório dos quatro anos anteriores (total de 234 no período homólogo).
Quererá isto dizer que, apesar de Portugal aparentar ter um serviço público considerado de relativa qualidade, existe um grande descontentamento por parte da função pública portuguesa? Parece-me óbvio que sim. O poder de compra dos trabalhadores do setor público (e não só) regista um decréscimo evidente e, em muitos casos, a progressão de carreira, bem como as condições existentes, ou a falta delas, não cativam novos quadros nem valorizam os atuais. Os setores do ensino, saúde e transportes têm-se feito ouvir na capital portuguesa através de inúmeros protestos e novas formas de luta.
Também este inegável contraste entre o clássico e o contemporâneo que se verifica numa Lisboa em constante crescimento e modernização de ideias e ideais, leva a um progressivo desaparecimento da sua população local, à semelhança do que acontece noutras capitais europeias. Mas se nessas cidades o rendimento médio das famílias é substancialmente superior e o custo médio de vida, face aos rendimentos obtidos, é inferior, em Lisboa torna-se sufocante alugar quartos por 500 euros quando o salário mínimo nacional se situa nos 760 euros e a remuneração média anual estava, em dezembro de 2022, nos 19,3 mil euros - segundo indicadores do Eurostat. É certo que em algumas localidades da AML, determinados empregos têm uma remuneração superior quando comparados aos existentes noutras zonas do país. Mas podemos facilmente constatar que os preços praticados nos diferentes serviços são, também eles, superiores aos que existem noutras localidades.
Apesar de se encontrar a ler um artigo de opinião, de índole informativa, e não uma dissertação sobre tendências passadas, presentes e futuras da cidade de Lisboa que incidam no plano político-económico, convém ter a consciência de que, apesar de a capital portuguesa ter uma luminosidade magnífica, nem tudo o que reluz é ouro. E se os pontos previamente abordados mostram que viver em Lisboa apresenta vantagens e desvantagens, como todas as cidades, a questão do imobiliário vem apenas reforçar o quão difícil é para um cidadão da classe média portuguesa (já nem me refiro às classes com menor poder aquisitivo) obter casa para viver na cidade que acolheu os seus pais, os seus avós ou simplesmente porque decidiu que era altura de se mudar para a capital.
Olhando para factos, viver em Lisboa não é efetivamente para todos. E a tendência será, cada vez mais, a população lisboeta expandir-se ao redor da capital, onde as condições dos serviços primários não estão, muitas vezes, criadas. Mesmo investidores estrangeiros já optam por investir o seu capital na AML e não necessariamente em Lisboa. As políticas que defenderam o Alojamento Local (AL) e os Vistos Gold contribuíram para a manutenção de preços elevados, mas ao mesmo tempo beneficiaram a economia lisboeta. Os proprietários, viram nesse mercado uma oportunidade de rentabilizar as suas finanças, e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e o Estado português beneficiaram com o considerável aumento na taxação de impostos.
Uma das soluções propostas passará sempre por uma descentralização de serviços, bens e capitais, levando, dessa forma, a uma redução da população e da concentração de meios que atualmente são necessários para que todo este processo diário funcione da forma mais adequada.
Lisboa é, evidentemente, uma bela e “rica capital”, contudo, viver (com qualidade) em Lisboa, não é para todos. A habitação é um problema complexo, as fracas políticas salariais são outro dilema intrincado, a questão da mobilidade e das infraestruturas deve ser uma prioridade.
Em suma, têm de existir abordagens práticas e concretas aos diferentes problemas que norteiam a capital portuguesa. E essas políticas não devem ser estanques nem podem servir de “arma” partidária. Sabemos que na vida dificilmente existem consensos, mas têm de existir compromissos. Neste caso concreto deve ser efetuado um trabalho conjunto entre governo, partidos, câmaras e diferentes setores empresariais, para que Lisboa não seja cada vez mais uma cidade de investidores e turistas, mas sim uma capital virada ao progresso, e que evidencie políticas efetivas e prioritárias tendo em conta a comodidade dos seus habitantes e daqueles que, à falta de alternativas, têm de se deslocar diariamente a Lisboa.