Estar sozinho, e consequentemente sentir-se abandonado, desamparado, estrutura indivíduos entregues à própria sorte, a si mesmos. Pais intensamente dedicados ao trabalho, pais que deixam filhos com avós ou em instituições sem acompanhar seus cotidianos, transformam as vidas de seus filhos em um campo, um contexto no qual os referenciais são explicitados principalmente por mensagens como: "não atrapalhe", "tudo tem que dar certo", "nos ajude, não crie dificuldades". Esse contexto relacional transforma o indivíduo em um equivalente de comando, um botão que quando apertado tem que funcionar.
Crianças que crescem em ambientes de abandono e comandos subliminares desenvolvem dificuldades graves. Ouvir ruídos, não saber como reagir ao inesperado, ao que não foi pautado é angustiante. Não se sabe o que fazer. Essa insegurança é lesiva, incomoda e aniquila, tornando-se, assim, exemplo de situações a evitar. O indivíduo abandonado, sozinho começa a evitar se expressar e a evitar qualquer coisa que o deixe sem saber o que fazer. A continuidade desse processo gera pânico que é, por sua vez, evitado pela omissão, pelo não fazer nada. Não se expressar, não falar o que pensa, não expor opiniões, satisfações ou insatisfações é a maneira de não entrar em colisão com o ambiente que o rodeia.
Ter medo de tudo que possa levar a perder o controle, que possa explicitar vulnerabilidade passa a ser seu objetivo. Nada fala, apenas grita ou sussurra quando solicitado a participar. Dificuldades aumentam com o passar do tempo, pois conviver com uma pessoa assim estruturada é difícil e desagradável. Essa pessoa estabelecida como problema é, então, mais uma vez abandonada. Caso exista contexto pode ser encaminhada para tratamento psicológico, que muitas vezes não é sequer tentado pelas diversas dificuldades de acesso, como custo e credibilidade principalmente. É mais fácil tentar resolver os sintomas com médicos, levar a um psiquiatra com a certeza de que remédios acalmam. As raízes, os contextos da problemática não são configurados e destrinchados. Espera-se pelos resultados e índices de adaptação, o que se constitui em mais uma forma do abandono e também no ingresso nas estatísticas dos mentalmente alienados.
Quando as dificuldades não são explicitadas em função de seus contextos estruturantes muitos enganos passam a existir. Distúrbios comportamentais causados pela carência, pelo isolamento, pelo abandono afetivo podem condenar com rótulos de incapazes, indivíduos que nada mais são que seres abandonados aos pedregulhos áridos de seus contextos familiares.
Integrar o filho inadequado é essencial, é o caminho, embora isso exija disponibilidade e amor, ou seja, exige interesse em cuidar, em ouvir, em acompanhar e participar de seus processos enquanto demandas de possibilidades e impossibilidades.
Ser abandonado é tornar-se campo fértil do autorreferenciamento, é tornar-se no mínimo dois para estabelecer monólogos configuradores de diálogos inexistentes. Viver é troca, é participação e quando, para realizar isso, tem que se dividir em um outro, que é o mesmo, surgem amputações danosas para o existir no mundo com os outros. Ser abandonado é receber um impeditivo de participação, tanto quanto um incentivo às ações destruidoras de consistência e congruência. Tudo é delirante, tudo é incerto pois o outro é ele próprio. Sem referências e montando referenciais reutilizados, a vida, a comunicação emperra e o que sobra é medo, angustia, sentimentos persecutórios, repetições obsessivas e compulsivas, e pensamentos de autodesvalorização ou de supervalorização.