Ter diante de si um papel em branco, uma tela, um horizonte, o outro, o mundo enfim, é ser estimulado, é estar motivado, é iniciar e também continuar processos. Falar em papel em branco é uma maneira de resumir a pluralidade de encontros, de vivências que nos ocorre.
O dado perceptivo é destacado de inúmeros contextos. Esse destaque pode ser espontâneo, ao acaso, ou pode ser resultante de alguns direcionamentos, em outras palavras, o papel em branco voa ao sabor do vento ou é apresentado em suportes nos quais os mesmos são acentuados. A percepção do papel em branco, embora em destaque, é também configurada por seu suporte, pelo que o sustenta. O direcionamento de opiniões e vivências - a propaganda e atualmente a política - se esmera na produção de suportes responsáveis pelo encontro do que se deseja e do que se quer evitar.
Propagandear, ampliar consumo, aumentar cliques de aceitação, "fazer política", todas essas ações hoje em dia estão grandemente baseadas no "boca a boca" digital. Teclados, memes, postagens vendem e motivam, falam e explicam tudo a todos. Verdades e mentiras sucumbem aos teclados. Nesse contexto o que importa é transmitir, é o meio, mesmo que adulterada a mensagem, os objetivos iniciais do que se quer comunicar.
Marshall McLuhan já intuía isso quando dizia que os meios de comunicação eram uma extensão do corpo humano e que isso transformaria nossa sociedade. Ele queria dizer que o meio é o que faz a mensagem ser compreendida, ou seja, cada mensagem tem que ser exposta no meio correto, caso contrário será perdido totalmente, ou em parte, o seu objetivo. Imaginarmos a possibilidade de um tambor sendo tocado por algo que não seja uma pessoa, para transmitir mensagem de aldeia a aldeia em plena África, exemplifica bem a ideia.
Esse insight de McLuhan foi deglutido e metabolizado, e atualmente postagens, lives e memes aprisionam verdades, fatos, acontecimentos, disseminando apenas o que é conveniente e lucrativo a seus interesses de venda, propaganda e adesão. A comparação de fatos, a determinação de tendências e escolhas segue o caminho da manipulação baseada em fake news e em supostas escolhas e decisões lúcidas. Criar vilões e heróis, estabelecer o parque de diversões, buscar o sonhado nirvana são os caminhos que endereçam as escolhas contingentes e arbitrárias.
McLuhan não imaginou que a democracia, e mesmo conclusões científicas poderiam ser assim destruídas. Chegamos ao homem reduzido a si mesmo, a seu corpo, com suas escolhas, medos e pensamentos, e com os meios de comunicação sendo o reduto da mensagem. É o solipsismo colocado no mais absurdo patamar: eu sozinho, tudo sei, tudo comunico, critico e ajuízo, decido e oriento. Essa postura é alucinatória, tanto quanto causa a neutralização do humano. O ser humano, ao se igualar à inteligência artificial (IA), se aniquila, se nega como humano, reduzindo-se ao xadrez de possibilidades alternativas, ensejadas por progressões. Ele se circunscreve a possibilidades imaginadas e buscadas.
Pensar é perceber, e quando a percepção se refere ao passado, a testemunhos defasados, tudo vai de roldão. Assistimos a cristalização, ao pensamento que é um repetir de acertos e automatizações do que se deseja manter. Não há mais mudança, vive-se para manter a sobrevivência, o sistema social, e as crenças que os suportam.
Nas últimas eleições no Brasil (2022) vivenciamos uma espécie de placebo democrático. O cenário foi dominado e orientado por plataformas, memes e fake news, buscando manipular o eleitor para resultados desejados. Mas, felizmente alguma coisa foi salva: o questionamento do que é vida, do que é democracia, do que é sociedade e uma pequena sobra de lucidez que afinal se manteve. Foi o não cooptado que fez a roda girar e conseguir ultrapassar bandeiras, partidos e fake news, desmanchando mitos e histórias de bicho papão. Não foi Lula quem venceu, o que venceu foi a luta contra a tortura, contra a mentira e usurpação de terras indígenas, contra a degradação do meio ambiente; o que venceu foi o resgate de um país continental das cavernas das mentiras e ilusões. Foi uma disputa acirrada e uma vitória por pouco, faltou pouco para a lucidez sucumbir aos ditames da ilusão, do negacionismo, do retrocesso científico e moral que se entronizava no país.