Toda vez que um fato, um acontecimento, uma situação ou processos são valorizados é constituída uma rede alheia ao acontecido e a partir da qual os acontecimentos são significados. Os valores são sempre extrínsecos, não são imanentes aos dados, ao ocorrido. Esses significados ampliam a dinâmica do que ocorre, pois ao colocar o acontecido em outra rede, em outros contextos estamos agregando ou subtraindo.
Valores, portanto, são molduras, são invólucros, são pedestais e também podem ser canceladores do que ocorre. Ideias tais como a mãe sempre valorizada, o soldado herói, a droga que destrói famílias, o amor que tudo salva são engendradas nos cadinhos valorativos nos quais as distinções entre o que se considera como o próximo, o semelhante confiável, e os distantes, os diferentes perigosos, estruturam as tramas maniqueístas.
Essa espécie de cunho de moedas estabelece um valor que com o tempo substitui o valorizado. A comunicação e a finalidade são assim transformadas em produtos. No contexto dessa arbitrariedade tudo resulta e contribui para felicidade ou infelicidade. Não mais se fala em uma vida humana e sim em quanto ela vale, ou ainda, melhorando o discurso, que toda vida vale. O próprio fato de precificar, atribuir valor, mostra a ignorância ou desaparecimento do que é básico no ser humano: o humano.
Quanto maior a sistematização de valorizações, mais critérios aderentes ou extrínsecos, mais distinção e negação do que é intrínseco ao humano que é a vida em relação. O ser constituído pelo outro, o estar sempre em relação é negado por meio de posicionamentos valorativos. Ser rico, ser bonito, ser mestre e senhor, por exemplo, passam a significar e determinar hierarquias.
Vida é processo, é movimento, e qualquer posicionamento que a referencia em valores, se constitui em aderências esmagadoras. Quanto mais a vida é estruturada em referenciais valorativos, maior a competição, as divergências sociais e culturais, a luta de classe, a rejeição a refugiados (só para citar uma das questões que mais mobilizam discussões nas últimas décadas).
Valores são aderências que, como realidades, criam padrões de ajuste arbitrários e referenciados nas próprias conveniências, medos e vantagens socialmente e individualmente exercidas. Isso ameaça não só os indivíduos ou o bem-estar pessoal, mas tudo o que nos rodeia. Assim temos as construções de super moradias assépticas e distópicas que são destruidoras do meio ambiente, e que, pelos seus posicionamentos e viabilidade de manutenção e acesso, exigem pontes, ações e sinalizações devastadoras de fauna e flora. Nesse contexto, estilos de vida baseados na extração predatória vigoram alienadamente. Os mares tragados para construções valorizadas são pequenos exemplos das ressignificações de "salário, preço e lucro".
Essas grandes questões da atualidade - como a destruição do meio ambiente, o consumismo predatório, a destruição das espécies vegetais e animais, a discriminação alienadora, os refugiados e o tráfico de mulheres e crianças - não são novas. O fato novo e atual é que nada sobra, resta apenas sobreviver e isso é tudo que se quer, precisa e significa como felicidade, que se traduz, por exemplo, em perfis nas redes sociais e tênis nos pés, e assim a caminhada continua e a vivência dos impedimentos, a sobrevivência a eles, alegra e estimula.
Pelos valores, para manutenção dos mesmos, fomos todos transformados em produtos nesse grande mercado neoliberal.