Norbert Wiener, em seu livro "Cibernética: ou controle e comunicação no animal e na máquina", afirma: "O pensamento de cada época se reflete em sua técnica. Os engenheiros civis do passado eram agrimensores, astrônomos e navegantes; os do século XVII e primórdios do século XVIII eram relojoeiros e polidores de lentes. Como nos tempos antigos, os artífices faziam seus instrumentos à imagem dos céus. Um relógio nada mais é que um planetário de bolso, que se move por necessidade como o fazem as esferas celestes; e se o atrito e a dissipação de energia têm nele alguma importância, são efeitos a serem superados, de modo que o movimento resultante dos ponteiros deve ser tão periódico e regular quanto possível. O principal resultado técnico desta engenharia, segundo o modelo de Huygens e Newton, resultou na era da navegação, quando pela primeira vez foi possível computar longitudes com respeitável precisão, e converter o comércio de grandes oceanos de uma coisa relacionada à chance e à aventura, em um negócio considerado regular. É a engenharia dos mercantilistas".
Wiener enfatiza adiante que "... se o século XVII e o início do XVIII constitui a era dos relógios, e o século XVIII e o XIX a era das máquinas a vapor, os tempos presentes são a era da comunicação e do controle".
Penso também que atualmente é por meio da comunicação e do controle que as pessoas são governadas, mantidas em seus territórios que vão desde a família até a nação. Esses redutos de mão de obra, de valores, de riqueza em potencial, têm que ser cuidados e mantidos. São pelos valores, principalmente éticos e religiosos, que esses sistemas são reforçados ou sustentados. Tudo deve confluir para que permaneçam as propriedades e os direitos de explorá-las. As leis, a educação, as instituições médicas e psicológicas são os coadjuvantes considerados necessários para a manutenção dos aglomerados: dessas sociedades, escolas, igrejas e famílias. Criar slogans, repaginar o satanás, edulcorar o salvador e trazê-lo à Terra, possibilitam estabilidade. É assim que as ordens familiar e social são mantidas em função dos propósitos de dominação e riqueza exercidos pelos poderes estatais.
Comunicação e controle permitem manter coesos e reunidos os componentes aos quais são submetidos os indivíduos. Divulgar que todos são iguais - desde que provem e exerçam essa igualdade - é uma das principais falácias do atual sistema dominante, captada em sua fase neo-liberal. Virar produto é o exímio exercício diário a que são submetidos os habitantes do planeta. A considerada escória, rebotalho - os que vivem com 10 dólares por mês na África e bolsões asiáticos e latino-americanos - todas essas pessoas não mais precisam ser manipuladas, pois são solo, chão onde se pisa e a partir do qual se erguem contradições que devem ser aplainadas, banidas para que tudo continue fluindo bem.
Nesse pântano, sumidouro de capacidades, ainda restam talentos e criatividade humana, reduzidos, entretanto, à descoberta criativa do que comer e de onde dormir, enfim, de como inventar, como criar formas de sobrevivência. Assim emparedados e arrasados pelos mecanismos de comunicação e controle do sistema, o que surge de novo é sobreviver. É o fato de continuar vivo que espanta nessa falta de recursos, de alimentação, de escolas e em meio à destruição ambiental. Arrastado por furacões, aridez de solo, demolição de florestas, o ser humano é criativo: sobrevive. Lamentavelmente reduzido a isso - sobreviver - negado como possibilidade, ele cada vez mais se capacita a ser abatido por artefatos, por máquinas, pela inteligência artificial que, alimentada de algoritmos (comunicação e controle), vai dominar e controlar os currais, os redutos dos indivíduos reduzidos à condição de sobreviventes.
É urgente transformar os mecanismos de controle e comunicação. É urgente que surja a expressão humana como possibilidade relacional. É urgente, mas também sabemos que é praticamente impossível nesse processo de alienação e coisificação gerado pela sobrevivência como objetivo básico das pessoas. Tudo gira em função disso: famílias, escolas, hospitais, forças de segurança da sociedade. Um dos subprodutos dessa calamitosa sobrevivência é a droga. Por meio dessa obnubilação, disfarce da dor e angústia, se tem a constante busca do prazer, do esquecimento, do se sentir vivo ao estar morto. É a passagem para o paraíso, o outro lado, o outro mundo escondido e buscado.
Quanto mais opressão e coisificação, maior a necessidade de evasão; isso é humano, isso é libertador tanto quanto aprisionador. É o desespero ao buscar sair, ao buscar respirar, sentir alguma coisa, virar gente. Estar esmagado e fazer de conta que é livre por artifícios, pelas drogas, pelo sonho, pela fé, pela crença é realizar e aprovar os ditames apreendidos da comunicação e controle que caracterizam nossos sistemas sociais, culturais e familiares.