Eu confesso que havia esquecido da existência do hímen quando uma aluna me perguntou sobre ele. Na ocasião, um filme voltou à minha cabeça. Quando eu era adolescente, ouvi a palavra e a explicação de que eu o perderia na minha primeira vez – era assim que eu me referia à minha primeira relação sexual, não precisava de complemento.

A informação sobre o hímen reverberou pouco naquele momento devido às circunstâncias que eu vivia: uma família liberal onde a virgindade não era um valor. Com pouca ressonância, a ideia do hímen foi passageira. Na minha primeira transa, eu nem pensei a respeito dele; não houve nenhuma sensação de rompimento ou sangramento nos lençóis da cama. Eu não esperava que houvesse e seria, talvez, indiferente ao fato. Havia muitas outras sensações para prestar atenção.

Apesar de saber que a existência do hímen não era verdadeira, ao menos do modo que a aluna esperava, eu precisava oferecer uma resposta mais satisfatória. Eu respondi, simplesmente, que o hímen era um mito – eu usei a palavra mito como ela é usada no cotidiano: uma falsidade. Na minha vida de estudiosa, eu respeito os mitos, mas, como professora de Ciências, eu me senti direcionada a usar a expressão para designar crenças infundadas em oposição às evidências científicas.

Era interessante trazer a etimologia: o nome hímen é inspirado no personagem da mitologia grega Hymen, o filho de Baco e de Afrodite e responsável pelas cerimônias de casamento. E o valor da virgindade da mulher era direcionado para o casamento. Afinal, a respeito da virgindade do homem ninguém pergunta, ou, se pergunta, não se desconfia da resposta e não se procura provas materiais. O valor da virgindade é exclusivo da mulher. Mas, curiosamente, diversos países ainda se pautam por ele.

Desde 2018, a OMS reconhece que o teste de virgindade, baseado no mito do hímen, é uma violação dos direitos humanos e uma crença, já que diversos estudos confirmam que o hímen não sela o canal vaginal, e não poderia já que as meninas menstruam.

O hímen é um tecido pequeno e membranoso que pode ser encontrado envolvendo o canal vaginal, ele não é um lacre. A verdade é que ele pode estar presente de formas diferentes no corpo da pessoa com útero. A maioria deles tem uma forma anular ou de lua crescente e pode assumir diversas espessuras. Poucas de nós teriam sido informadas de que ele pode mudar com a idade, que algumas de nós não nascem com um, ou que pode desaparecer totalmente quando entramos na maturidade sexual de qualquer maneira. Ou que uma grande variedade de atividades pode esticá-lo ou rasgá-lo, desde exercícios até masturbação e até o sexo penetrante.

O livro Losing it: A taboo-busting guide to sex and relationships that debunks the myths you were taught at school escrito pela jornalista britânica Sophia Smith Galer, elucida porque o mito do hímen é ainda propagado no mundo todo, ainda hoje.

Países de governos totalitários deliberadamente apoiam testes de virgindade, e mulheres que temem a rejeição no casamento, e têm recursos, fazem a cirurgia de reparação do hímen. Portanto, há um interesse político em manter a crença de que a virgindade de uma mulher é revelada na sua anatomia e há médicos que lucram com esta ignorância.

Em certo ponto do livro, a autora cita uma personagem brasileira que, sem recursos financeiros, resolve vender a sua virgindade. A perspectiva de que a mulher “se guarde” para o casamento é conservada e valorizada, na sociedade atual, também por outros meios, como os leilões na internet. No entanto, a presença ou não do hímen como prova cabal da experiência sexual da mulher é uma desinformação.

Seria simples declarar que as desinformações sobre o hímen servem ao patriarcado, mas a verdade é que o culto à virgindade não é simples de ser interpretado. Todas temos religião mesmo quando não temos, somos filhas ou netas de pessoas religiosas e seguimos um calendário religioso. Na nossa cultura cristã não é possível tratar da virgindade sem citar a Virgem Maria, que Simone de Beauvoir associa como a suprema vitória da masculinidade, a encarnação perfeita da impossibilidade, a virgem mãe.

A mulher virginal é um arquétipo cultivado nas sociedades. O curioso é que a virgindade é perdida e tirada. A característica que se quer preservar, que não se quer perder nem tirar, é a pureza. O fato é que há tanto em jogo na relação sexual para uma jovem, o risco de gravidez e a responsabilidade de se prevenir dela, que é difícil relaxar. Fundamentalmente, relaxar é o ingrediente principal para que a relação sexual seja prazerosa. O medo e a vergonha são os nutrientes necessários para o cultivo da virgem sublime, para que a mulher queira ser o sublime na virgem e o sublime na mãe, como a Virgem Maria.

Na sociedade e nas famílias que valorizam a virgindade da mulher, o homem quer ser o único a apresentar o prazer à mulher e talvez ele queira que à mulher não seja oferecido o benefício da comparação entre órgãos genitais masculinos. Porque a vergonha feminina é um projeto instituído na cultura, mas a vergonha nos homens é silenciosa, o que pode ser igualmente doloroso.

Para responder à pergunta da aluna sobre o hímen, eu diria que a pureza é bem-vinda em outras formas, além da virgindade. A pureza é ausência de contaminação, como uma joia não pode ser contaminada. Essa associação está presente no Yoga Sutra como uma qualidade mental que revela os objetos percebidos como são. Podemos nos manter puras sem ser virgens e o contrário.

Se a pergunta sobre o hímen fosse feita mais uma vez, eu responderia que eu ainda sou virgem. A turma iria se surpreender com a minha declaração e eu iria aproveitar o silêncio para continuar essa interpretação.

Eu sou virgem do Japão, apesar de conhecer a comida japonesa que chegou no Ocidente. Eu sou virgem do surfe, apesar de ter feito uma aula. Por isso, faz sentido a associação da virgindade com pureza, ainda não fomos iniciadas em vários assuntos e não seremos iniciadas em todos os assuntos, porque a vida é mais ampla do que nós somos. É saudável manter o olhar fresco para o desconhecido.

“I made it through the wilderness. Somehow I made it through”, a Madonna canta no primeiro verso da música Like a Virgin. Nós atravessamos o deserto de alguma forma. O deserto é a morte, a falta de interesse pelo outro e pela vida. Mas ainda temos muito a conhecer.

Não deve haver vergonha em fazer algo pela primeira vez, que é como nos sentimos várias vezes, mesmo adultas. O olhar puro não se confundiu com a carga histórica vivida. Seria interessante se eu entrasse em sala de aula como se fosse a primeira vez como professora, porque a minha experiência me ajuda, mas também pode me atrapalhar.

Se a pureza é um valor, que seja também a perspectiva de uma relação honesta consigo mesma e com as pessoas. A pureza se manifesta na confiança entre as pessoas. As emoções não são coadjuvantes; é bom que a menina possa expressá-las.

O sexo não está apenas no que chamamos de genitália, mas na relação que se desenvolve, na troca de olhares e nos carinhos em todas as partes do corpo. A pureza também pode estar na experiência de se sentir conectada com uma pessoa. É desejável que a conexão aconteça, sem que o desejo antecipe os fatos. As expectativas confundem porque não são frutos da relação, mas da projeção de uma pessoa. É aconselhável cuidar da relação como um terceiro elemento: quando duas pessoas se cuidam, elas cuidam da relação.

A amizade é sentimento mais raro do que parece e subestimado – amparar outra pessoa e ser amparado por ela é um conforto mais que bem-vindo. Não podemos, na expectativa do amor, esquecer do valor que é gostar de alguém. E nomear sentimentos causa mal-entendidos, de qualquer forma.

Honestamente, a primeira vez são as primeiras vezes. Normalmente, a primeira vez tem pouca importância na sequência de acontecimentos porque as relações consigo e com outras pessoas são construídas gradualmente. Como um pôr do sol, as mudanças de tons no céu não são abruptas.

Eu diria que as escolhas das meninas podem ter esses guias em acréscimo à teia moral em que estamos enredadas. Afinal, a liberdade sexual não é ter relações sexuais cedo ou fora do casamento. A liberdade sexual é, como qualquer liberdade, viver de acordo com a sua verdade íntima. Algo difícil de reconhecer, principalmente ao se tratar de uma jovem. No entanto, falar sobre sentimentos e emoções envolvidas na relação sexual é reconhecer que não somos apenas um corpo, somos corpos em relação. Nessa relação, construímos mundos e cultivamos jardins. Nisto, reconhecemos o cuidado.