O contrário - o que descontinua - ocupa outro lugar no espaço e no tempo. É assim que ele, o contrário, se constitui em antítese. É assim que as mudanças ocorrem e continuidades são estabelecidas e reestabelecidas em outras condições, em outros contextos.
Toda vez que surge uma contradição, uma antítese, surge divisão e conflito. A maneira de perceber essa divisão, esse conflito, vai estabelecer como lidar com a situação, ou seja, com o conflito. A contradição sempre possibilita acomodação ou desacomodação: adaptação ou desadaptação. Adaptar-se ao que contradiz as próprias crenças, valores, propósitos, objetivos é um jeito de negar o que questiona, de apagar o que foi percebido como diferente, inesperado, contraditório ao anteriormente vivenciado. Ao passo que desadaptar-se resulta de não negar a quebra, a descontinuidade, a mentira, a verdade, o novo que surge.
Ao fazer de conta que o que acontece não acontece, desde que nada tem com os próprios desejos e compromissos, o indivíduo neutraliza sua percepção do que está acontecendo. Esse abrir mão de suas vivências e constatações o retira do presente, lançando-o nos desertos de quimeras futuras ou de estéreis passados. Tudo é percebido em função do que se quer manter, do que se quer atingir. O presente é negado, e assim, também é negada a contradição que tudo questiona.
Relacionamentos amorosos caracterizados por ajustes, acertos necessários e consequentemente contingentes e circunstanciais são polarizadores de contradições. Ser estruturado em função de objetivos transforma o necessário em sua matéria prima constituinte. Quando a vivência do presente, quando o estar com o outro não se esgota nesse processo, quando sempre se relaciona a algum depois, a uma causa, a uma consequência, o relacionamento se transforma em compromisso, propósito, desejo, empreendimento, negando-se como encontro, integração, descoberta.
É quase impossível manter descobertas, encontros e paixões, sem autonomia e disponibilidade. As necessidades de complementação e de socialização, geralmente são argamassas de construção, e nesse processo, pactos, acertos realizados começam a descontinuar. Isso é mudança, é vivência da contradição. Quanto mais se nega o que contradiz, mais se estabelece ajuste, satisfação e insatisfação.
São descontinuidades pendulares aplacadoras das contradições, mas que a todo momento as revelam. As infidelidades, por exemplo, hoje em dia neutralizam contradições de uniões afetivas que são consideradas necessárias mas que nada mais significam enquanto encontro afetivo e relevante. Tempos atrás, casamentos eram alimentados por essas trangressões; o amante, a amante geravam culpas que se constituíam em combustível para manutenção da família, pois sentindo-se culpado/a tratava-se bem cônjuges e filhos. A culpa esconde a impotência.
Abrir mão de realizar o que se gosta e fazer o que se precisa, o que é necessário, é uma maneira de neutralizar contradições, de não aprofundar o conflito entre gostar e precisar. A neutralização da contradição é o fazer de conta, o jeito mágico ou desonesto de negar o que está acontecendo. Mas quando se é desonesto? Por que isso ocorre? O ético é uma decorrência circunstancial, decorre da constatação do que está aí e assim consigo? É preciso considerar que valores são determinantes de compromisso, mas também são determinantes de liberdade. Só por meio de questionamentos as continuidades são estabelecidas e isso só acontece se as contradições não são neutralizadas, não são negadas, e sim são vivenciadas possibilitando mudança.