Os entrelaçamentos, assim como os agrupamentos, podem constituir níveis de convivência responsáveis pela criação de plataformas e redes a partir das quais são estruturados os mais diversos encontros, laços e grupos de amizade ou confluência de objetivos comuns. Um dos exemplos mais evidentes disso hoje é a coexistência exercida no ambiente digital. Os entraves à coexistência são explicitados por esbarros, impedimentos, cooptações, tanto quanto seus aspectos solucionadores se caracterizam por ações participativas, solidárias e libertárias.
Nem sempre a coexistência é pacífica. Tensão e conflito acontecem quando os fatores responsáveis pela convivência entre os indivíduos e os grupos são arbitrados em função de objetivos outros que não os de seus grupos. É frequente assistir pessoas se organizarem, coexistirem a partir de demandas alheias a suas estruturas grupais. Essas aderências solapam, constante e sutilmente, as imanências dos grupos.
Quanto mais fraca ou mais inconsistente é a coesão do grupo, menor a coexistência. Mesmo nas famílias esse aspecto é o que caracteriza desavenças e discussões, ou seja, coexistência mantida e cooptada por outros interesses. Quando os objetivos, as motivações do grupo estão fora do mesmo, sempre surge um ponto fraco, as zonas mortas que se constituem em áreas conflitivas, pois devido às fragmentações de interesses existentes não há autonomia grupal.
Os grupos são fracos ou são fortes a depender de sua consistência estrutural — consistência essa definidora do grupo — pouco importando a similitude entre seus elementos. Decidir pela semelhança parcializa, desde que polariza principalmente os aspectos implicados nessa busca de similaridade. Priorizar semelhança, identidade fragmenta e secundariza outros elementos que estruturam o grupo. É esse aspecto que permite, por exemplo, entender como a atitude da mãe que privilegia cuidar dos filhos mais fracos, ou dos mais fortes, fragmenta todo o grupo, no caso a família.
Coexistir é participar, não é decidir ao concordar ou discordar. A participação requer motivações e estruturas comuns, afins, ou seja, conformes, próximas. Quando a coexistência é fabricada em função de objetivos aderentes ela é invadida por outras ordens e assim destituída de suas coordenadas fundantes. O objetivo, o que se propõe jamais pode ser o estruturante do coexistir sob pena de contingenciar o processo e a estruturação da continuidade. Essa constatação explica também a volatilidade da maioria dos grupos digitais ao pretender aglomerar pessoas, assim como de qualquer grupo enquanto objetivos circunstanciais para coexistir. Movidos por equivalentes a palavras de ordem, a objetivos imediatos, tudo coexiste, embora nada se estruture fora desses objetivos buscados. Esse caráter efêmero é por definição a coexistência apenas enquanto participação que captura e expressa demandas objetivas e reivindicações circunstancializadas, consequentemente responsáveis por soluções, por resultados atrelados ao sim ou ao não, que passam a ser valores polarizadores e criadores de divisão. Surgem daí grupos que coexistem em função de resultados, e, portanto sem feição, sem características próprias. Coexistir assim passa a ser a ferramenta que agrupa em função do objetivo previamente decidido e estabelecido, apriorístico, valorativo e disso depende a realidade estrutural desses agrupamentos, donde se pode dizer que os grupos de hoje não têm condições de continuar amanhã, pois são constituídos no império das contingências, que tudo levam de roldão, mas que não sabem onde ancorar.
O que é efêmero é obviamente instável e transitório, e essa característica logo se constitui em obstáculo, fazendo com que coexistir se transforme em sinônimo de cooptar. Essa mudança decorre de como são estruturadas as antíteses aos processos. Na família, nos relacionamentos afetivos, nas sociedades, nos diversos grupos, nas escolas, nos partidos políticos, nas religiões, tanto quanto nas relações do indivíduo com ele próprio (sinônimo de primeiro grupo) esse processo de transformação da coexistência em cooptação é uma constante.