Marshall McLuhan em 1970 escreveu:
Quando se vive em uma era de informação, a cultura se torna um grande negócio, a educação se torna um grande negócio e a exploração da cultura através da explosão de informação torna-se cultura por si mesma, derrubando todas as paredes entre cultura e negócios.
Nos últimos 50 anos desde essa afirmação de McLuhan assistimos à criação e desenvolvimento de plataformas online que passaram a integrar nosso cotidiano via computadores, smartphones e outros dispositivos, uma verdadeira revolução na comunicação e difusão de informações, que, ocupando cada vez mais horas de nossos dias, são percebidas como positivas e como essenciais. Estamos todos plugados, conectados, abrangendo todas as gerações não importando a idade.
No entanto, passados os primeiros anos e estabelecidos os tentáculos das mídias digitais, alguns dos pioneiros construtores de redes sociais como Facebook, Google, Instagram, Twitter e Pinterest já se posicionam denunciando e criticando o avassalador avanço das redes que ajudaram a criar: nelas o homem virou produto, é vendido e comprado. Além de entrevistas e palestras, esse debate voltou à tona com força com o lançamento do documentário O Dilema das Redes (The Social Dilemma) e nele Tristan Harris - ex- especialista em ética de design do Google - afirma:
Never before in history have 50 designers made decisions that would have an impact on two billion people” (“Nunca antes na história 50 designers tomaram decisões que teriam um impacto sobre dois bilhões de pessoas”).
Essas considerações nos levam a pensar que a grande questão do século XXI é a ampliação de mercados para que tudo seja vendido e comprado. A imposição do Mercado, sua dinâmica, suas atividades, ideias e produtos coisificam o homem. É equivalente ao efeito destruidor e alienador sofrido pelas sociedades e culturas invadidas por colonizadores nos séculos XVIII e XIX, quando línguas, desejos, hábitos, roupas, comidas, maneiras de ser e de pensar foram destruídas. Hoje em dia as redes sociais manipulam comportamentos igualando-os por meio de cliques, curtidas que funcionam como geradores do que pode ser conhecido, amado e valorizado.
Somos utilizados como massa de manobra para manutenção de plataformas online que permitem vender e propagandear não só produtos, mas também verdades e mentiras. Tudo está igualado. Um cidadão de Myanmar, outro de Botswana, outro de New York se igualam nos desejos e apreciações por meio de suas curtidas ou likes. Do mesmo modo suas emoções, seus desejos de aprovação existem em função do que é programado. Os engenheiros das redes são também os construtores e demolidores de sistemas sociais, a própria democracia é ameaçada. Polarizações - esquerda x direita, ciência x obscurantismo - infiltram-se no cotidiano. O saber não é mais enciclopédico e iluminista.
Agora tudo é fragmentado e setorizado. Discute-se sobre vacinas, posiciona-se contra o avanço de decisões democráticas e procura-se destruir minorias que não compram, que não estão conectadas às redes. Viver é clicar, é a série de likes ou não likes que estabelecem o que se vivencia como escolha, decisão, democracia, mas que, em verdade não decorrem de atuação autônoma, pensada ou livre; decorrem de manipulação minuciosa, precisa e planejada das emoções humanas. O conhecimento científico, suas verdades edificadas em evidências são substituídas por fake news, por “achamos que”, “pensamos assim”. Outro ponto a se considerar neste obscuro universo é o de que a luz das redes sociais (Twitter, Facebook, Instagram etc.) atinge pessoas como qualquer luz atingiria (faísca, candeeiro, lâmpada, farol), apenas clareando superfícies, mas a opacidade predomina. Essa indistinta polarização aumenta o caudal de indivíduos que não discriminam, não conhecem, ignoram o que se discute, ignoram o contexto no qual são desenvolvidas as discussões, enfim, pessoas para as quais o denso apresentado tudo explica, e as sutilezas, pálidas nas aparências, não atraem.
Desse modo, o reinado do explícito se instala, a vida perde nuances, a monocromia domina: ou é preto ou é branco. Não há meio-tom, o máximo que se consegue é imaginar espectros responsáveis por explicações genéricas. É a cultura do enfático, do resíduo, do que se mostra para descarte ou apreensão.
É importante lembrar que as redes sociais estão inseridas em contextos econômicos nos quais predomina a busca de lucro, de ganhos desmedidos e que o nível de manipulação via dispositivos viciantes é preocupante. Não é exagerada a afirmação de seus fundadores quando alertam para a mercantilização do humano. Transformado em produto, o ser humano é canibalizado, e o que é pior, sem dor, sem sangue, pois tudo já foi drenado e industrializado.