Tempos românticos e mais do que perigosos na vida daquele jovem biólogo que sonhara defender os ecossistemas da Baía de Ilha Grande, baía responsável em sua escolha pela biologia.
Desde 1988 quando tentou emplacar uma matéria denúncia na falecida rede manchete de tv, ele percebeu que estava mexendo com interesses econômicos e políticos graúdos, visto que mesmo pronta, a matéria que denunciava a destruição dos manguezais no município de Angra dos Reis, a mesma não foi ao ar.
De qualquer forma, largou a escola Isa Prates onde dava aulas e acabou assumindo por competência, o departamento de controle ambiental, estrutura recém criada na prefeitura municipal de Angra dos Reis em março de 1989.
Não tendo compromisso com nada e tão pouco filiado a partido político nenhum, colocou de cabeça para baixo a especulação imobiliária, que muitíssimo mal acostumada, construía mansões sobre costões rochosos, implantava loteamentos e marinas sobre manguezais e fechava acesso às melhores praias continentais, a maioria das vezes com apoio governamental das demais esferas do poder público.
Como disse, eram tempos românticos que muito rapidamente tomaram o único caminho que poderiam tomar num lugar acostumado com o exclusivo poder do dinheiro e da intimidação, na melhor das hipóteses. Afinal estávamos no Brasil, um dos países mais letais para os profissionais que trabalham sério com o tema.
Várias ameaças, telefonemas anônimos, perseguições na Rio-Santos, pernoites em casas diferentes, até que a contratação de um "exterminador", descoberta por conta de um alerta anônimo, soou o alarme de retirada.
Visita ao então ministro de Ambiente que minimizou o assunto, visto que segundo o mesmo, quem ameaçava, não matava!
Visita à políticos de Brasília e do Rio de Janeiro visando fortalecer e assegurar de alguma forma a minha atuação no município e principalmente resguardar minha existência no inferno no qual a minha vida havia se transformado por um único motivo: eu exigia enquanto agente público municipal o cumprimento da legislação ambiental a qualquer custo, quase sempre contrariando licenças expedidas por órgãos ambientais estaduais e federais.
Uma entrevista ao então famoso programa do Jô Soares no SBT, transformou o caso até aquele momento local num caso nacional e internacional.
Finalmente, um grupo alemão chamado ASW, tomando conhecimento de minha situação, pouco mais de um ano da morte do seringalista Chico Mendes, resolveu bancar minha viagem à Alemanha e Áustria durante o período da Copa do Mundo de 1990, quando temiam que devido ao clima festivo, eu poderia ser eliminado com maior facilidade e sem maiores alardes pelos delinquentes que se sentiam incomodados com a minha presença.
Naquele 12 de junho de 1990, eu nervosíssimo, a kombi do vereador Alfredo Sirkis me levando para o aeroporto, minha mãe chorando na porta de casa, o amigo Romero me emprestando uns dólares no caso que algo desse errado e eu indo ao encontro de pessoas que durante os dias que estive na Europa me trataram da forma mais fraterna possível diante da depressão e a angústia que me dominavam naquele período.
Lembro sentado antes da decolagem, eu olhando amargurado para os manguezais degradados da Baía de Guanabara que de certa forma também se despediam de mim. Pensei se tudo aquilo valia a pena de fato? Tanto sofrimento pessoal, familiar para quê num lugar onde o ambiente era considerado um tema supérfluo quase que marginal?
Será que tudo aquilo valeria para algo?
Apenas muitos anos depois, alguns desses questionamentos foram respondidos. Outros ainda não.
Durante o período que estive por lá, dei inúmeras palestras em universidades e ONG sobre a situação ambiental no Brasil e explicava o motivo pelo qual eu havia sido obrigado à fugir.
A única coisa engraçada era o longo tempo que eu tinha de perder para explicar o motivo pelo qual, quem fazia cumprir as leis ambientais no Brasil, tinha de fugir de lá. Era uma coisa muitíssimo difícil deles entenderem, apesar da ajuda dos brasileiros locais em explicar.
Aquele 12 de junho, talvez seja a data mais marcante em minha vida profissional como biólogo onde tive de fugir do Brasil por simplesmente cumprir a legislação ambiental e para não ser mais um na estatística.
Por cumprir a legislação ambiental, por não me curvar a pouca vergonha que envolvia interesses públicos ilegais com o tráfico de influência dentro dos órgãos públicos ambientais da época, quase fui exterminado por uma cultura voltada exclusivamente para a exploração dos recursos naturais, típica de colônias de exploração.
Fazem 30 anos e desde então continuei em minha trilha, encontrando mais do mesmo. Novos inimigos públicos e privados, a boa relação de delinquentes privados vip com entes públicos, intimidação, difamação e até ameaças veladas continuaram paralelamente ao fortalecimento progressivo de minha persistência e obstinação.
Daquele sofrimento todo que nunca será esquecido, milhares de metros quadrados de manguezais que foram preservados da destruição como várias centenas de metros lineares de costões rochosos, onde com uma equipe de apenas dois competentes técnicos, pelo menos naquele período, pudemos fazer cumprir as leis ambientais.
Felizmente sai vivo, tendo durado pouco minha estadia em Angra dos Reis após meu retorno da Europa, visto que além de ameaçado, minha crescente fama ambiental já incomodava politicamente tanto a situação como a oposição local.
No dia em que eu entregava equipamentos comprados através da doação de uma revista alemã para a criação de um horto voltado para os manguezais, eu também pedia exoneração diante de mais uma nova ameaça e visto que minha presença no município apenas acontecia com escolta policial.
Dessa forma, expulso praticamente de Angra dos Reis, pude recuperar os manguezais da Lagoa, da Baía de Guanabara e do sistema lagunar de Jacarepaguá.
Não tenho dúvidas que tenho milhões de amigos e amigas distribuídos nos manguezais espalhados entre as Baías de Guanabara e Ilha Grande.