Será que podemos ditar e eleger regras para o nosso destino numa era de desvalorização de futuro? Ou talvez, o mistério quântico possa entre as fronteiras de um tempo responder indagações sobre o nosso destino? Cada vez mais somos arrastados pela mídia para estarmos sempre conectados e ativados no mundo virtual. Nesse propósito, será que as possibilidades metafísicas que nós temos estão sendo interligadas e programadas para assistir apenas o que a mídia oferece?
Em tempos de indelicadezas percebemos que o destino vive propagando fake news. Quem se lembra da frase do Willy Wonka, do filme A Fantástica Fábrica de Chocolates — Onde mora o sentimento no cérebro ou no coração?
Nossas experiências deixam marcas que matam algumas vontades e com isso deixamos “alguém” conduzir e controlar nosso destino, mas, será que o destino existe? Para o cientista John-Dylan Haynes o destino existe. “Nossa mente consciente acredita que somos livres para escolher entre diferentes opções, mesmo quando o cérebro já decidiu o que vai acontecer”, diz Haynes.
Ainda assim, o referido cientista diz que precisa de muitas pesquisas neste ramo. Devemos salientar desde que nascemos o destino já está aposto. O que fazemos na vida são escolhas que nem sempre convém. Em tempo de falta de alacridade as fronteiras entre o passado, o presente e o futuro se sobrepõem provocando “decoerência” (termo da física quântica). A dinâmica da vida nos surpreende e por isso, muitas vezes embarcamos na onda do destino.
Para o autor Carlos Bernardo González Pecotche o destino seria uma carruagem, como ele escreveu no livro O senhor de Sándara:
Eu acho que o verdadeiro autor desse livro que simboliza nossa vida é o destino, e nós, o produto de seu mandamento inexorável. – Vou poder dar uma resposta a isso mesmo que você disse, lendo uns parágrafos escritos pelo próprio senhor De Sándara sobre o conceito fatalista, tirados dos apontamentos que Malherbe me ofereceu. Escute só: “A carruagem do destino, cujo alegórico rodar nos fala do caráter cíclico de nossa existência, jamais detém sua marcha, e desditado daquele que cai sob suas pesadas rodas! O destino carece de sensibilidade; é, portanto, inclemente e inexorável. O homem deve superá-lo com sua inteligência, subindo à simbólica carruagem e conduzindo-a por rotas mais apropriadas à hierarquia de sua espécie. Os que não o fazem se vêem forçados a puxá-la como escravos, até que, exaustos, caem esmagados sob suas rodas. A isto se costuma chamar depois de ‘fatalidade’. É por tal razão que muitos, cedendo às exigências de sua sina, se deixam estar, sem que nada consiga afastá-los de tão absurda crença.
(Pecotche, Raumsol, p. 138 e 139, 2007)
Muito difícil compreender o destino, quanto mais assumir as próprias rédeas. É preciso muito amadurecimento para tanto. Ainda mais hoje em dia, com tanta fragilidade na sociedade de consumo. “Estranho o destino dessa jovem mulher, privada dela mesma, porém, tão sensível ao charme das coisas simples da vida...”.
No filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulian você compreende que não pode perder de vista a chamada chance, as oportunidades que surgem na sua vida. Ninguém sabe se é o destino que escapa ou a gente que pula uma fogueira. Também há quem diga que o destino pregou uma peça, há quem o desafie e há também quem diga que seja irônico. Vá saber né? O destino não é novo. Nos tempos remotos encontramos na mitologia grega as irmãs Moiras que eram responsáveis em tecer o fio da vida.
Na mitologia grega as Moiras eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar o fio da vida dos mortais. Durante o trabalho, as Moiras fazem uso da Roda da Fortuna, que é o tear utilizado para se tecer os fios. As voltas da roda posicionam o fio de cada pessoa em sua parte mais privilegiada, o topo; ou em sua parte menos desejável, o fundo, explicando-se assim os períodos de boa ou má sorte de todos. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos e criaram Têmis, Nêmesis e as Erínias. Pertenciam à primeira geração divina originadas do Caos. As Moiras eram filhas de Nix (a noite) e assim como Nix, eram domadoras de deusas e homens. Moira, no singular, era inicialmente o destino. Na Ilíada representava uma lei que pairava sobre deuses e homens, pois nem Zeus estava autorizado a transgredi-la sem interferir na harmonia cósmica. Na Odisséia aparecem as fiandeiras. Os poetas da antiguidade descreviam as Moiras como donzelas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Nas artes plásticas, ao contrário, aparecem representadas como lindas donzelas. Cloto, em grego significa fiar, segurava o fuso e tecia o fio da vida. Junto de Ilítia, Ártemis e Hécate, Cloto atuava como deusa dos nascimentos e partos. Láquesis, em grego significa sortear, puxava e enrolava o fio tecido. Láquesis atuava junto com Tyche, Pluto, Moros e outros, sorteando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. Átropos, em grego significa afastar, ela cortava o fio da vida. Átropos juntamente a Tânatos, Queres e Moros, determinava o fim da vida.
(Vid. aqui)
É cabível refletir que a mídia embaça o destino com marketing publicitário de momentos maravilhosos existentes na família, no trabalho e no casamento. Vende-se futuro com promessas fácies através de produtos descartáveis de satisfação instantânea.
Como destaca Gregory Claeys, autor do livro aqui resenhado, “a palavra [distopia] é derivada de duas palavras gregas, dus e topos, significando um lugar doente, ruim, defeituoso ou desfavorável”2 (p. 4). Normalmente, conceberíamos a distopia pensando apenas a partir da literatura ou da cinematografia, mas “[existem] usos não literários e empíricos do termo” (p. 5). Aqui encontra-se o dado primordial e a característica mais relevante do livro: distopias podem não só existir nesse exato momento, como formaram a realidade de diferentes grupos ao longo da história. Claeys, professor de História do Pensamento Político na Universidade de Londres, publicou reconhecidos livros/artigos sobre, por exemplo, a ideia de utopia (tendo sido premiado por seu trabalho), a respeito da Revolução Francesa e do Socialismo. A partir de seus estudos, logo na Introdução, o autor indica existirem distintas formas de distopia. O fio condutor seria pensar um lugar (mundo, país, estado, região, continente etc.) ruim para determinado grupo, no sentido de este estar invariavelmente ameaçado, caçado, proibido, oprimido, culminando em possibilidades correntes de morte/extermínio, sendo a tônica o medo e a desconfiança – para Cleys, algo normalmente provocado por um regime político.
(Distopias presentes, passadas e futuras: os monstros da sociedade, Claeys, Gregory. Dystopia: A Natural History. A study of modern despotism, its antecedents, and its literary diffractions. Oxford: Oxford University Press, 2017, 556 p. Vittorio da Gamma Talone, aqui)
A distopia é um monstro, talvez seja um mito que fica hibernando esperando o momento certo para reaparecer. E qual a relação da distopia com o destino? Não é de se espantar, mas, a utopia anda junto com a distopia. O historiador Barriel afirma que
A relação entre real e ilusório é estreitíssima na utopia, assim como no relato das viagens de descobertas. O imaginário estrutura a experiência real, enquanto esta serve de base para as elaborações posteriores: as fronteiras entre real e ilusório são, assim, indefinidas. Na utopia, o ideal se sobrepõe ao real com o mesmo compromisso com que, nas viagens de descobertas, une real e ilusório: as fronteiras entre verdadeiro e falso se diluem. São muito diferentes as perspectivas pelas quais os autores de utopias e distopias edificam as suas construções; ambas, entretanto, são regidas pelas mesmas leis, como a tragédia e a comédia também o são, segundo o juízo clássico, aristotélico. Podemos considerar que: a) a utopia clássica se desenvolve construindo um hiato (insanável) entre a História real e o espaço reservado para as projeções utópicas; a descoberta de um país distante, até então ignorado (como no enredo de Morus, Campanella e outros) se tornou símbolo de uma fratura não apenas geográfica, mas, sobretudo histórica; b) a distopia busca colocar-se em continuidade com o processo histórico, ampliando e formalizando as tendências negativas operantes no presente que, se não forem obstruídas, podem conduzir, quase fatalmente, às sociedades perversas (a própria distopia).
Há de se considerar que a utopia existe para combater o destino na história e que por sua vez recai na questão do poder e da mídia.
Berriel ainda salienta: “A distopia, portanto, é o alongamento do perfil das utopias construídas a partir de proposituras abstratas, e não de metáforas ou alegorias”.
Para recapitular o destino seria o caminho, fim ou resultado de alguma ação pela ordem cósmica que encontra partículas da utopia ou da distopia para continuar sobrevivendo. Penso que seja assim. Em tempos de negação da vida, de falta de alacridade, de descrença, o destino não funciona como um combate, mas como um pretexto para assegurar um futuro próximo. Para tanto, a mídia ajuda a acelerar o desfecho de seu destino, reduz suas vontades, provoca insatisfações entre outras divergências. Sugiro que você siga o seu destino como falou o poeta Fernando Pessoa:
Segue o Teu Destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-proprios.Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.(Ricardo Reis, in Odes Heterónimo de Fernando Pessoa)
Agora uma coisa é certa, sempre o destino terá culpa, culpa esta provocada ou pela utopia ou pela distopia. O problema é que na distopia o destino quase não existe, encontra-se perdido em meio a tantas opções na sociedade de consumo. Destino toma conta do mundo, tece a ternura, o amor e a bondade nos corações das pessoas. Inclina-te para harmonia e paz. Busca acordos de fé entre almas que distraídas não percebem que precisamos de sonhos para gerar novos sonhos em novas formas de realidades.
Assim, pensamos que temos as rédeas do destino, mas na verdade é uma ilusão. Como diz Calderón de la Barca - a vida é uma ilusão.
O que temos é que discernir, entender que na vida o que mais fazemos são escolhas. Para cada escolha ou será a salvação ou a perdição de nossa existência. Não recolham seus sonhos, o destino não espera.