Os seres humanos são seres em construção, possuem identidade e, quando identificada, ganham sabedoria para traçarem seus sonhos. Possuem várias capacidades, inclusive alimentar ideias que contrariam ou beneficiam as interações tipicamente da edificação humana. Ao programar suas vidas pelas formas mentais, executam em suas mentes várias maneiras de pensamentos. Lucidez, entendimento e discernimento são modelos de identidade com sabedoria. Nessa condição, a imaginação reflete como ativa e a fantasia como passiva. Construir é imaginar. A fantasia é criada para proporcionar um mundo de prazer e ilusões.

Para tanto, queremos ser superior ou bem estruturado? Quais as hipóteses que foram proporcionadas diante do processo de aperfeiçoamento da vida humana? A fantasia gera vícios psicológicos e acabamos por supor o mundo mediante alguns julgamentos. Mobilizamos a imaginação a partir de nossa missão na Terra impulsionada pela vontade de existir. Desenvolver a imaginação requer sabedoria entre os ritos e os símbolos. Há de se considerar que a cultura popular possui em seu cotidiano a riqueza do imaginário entre rituais que enfeitam suas manifestações para providenciar estrofes, loas, poesias, danças, costumes e crenças ao fornecerem símbolos entre o sagrado e o profano.

Há singularidades para cada particularidade nos seres humanos que iremos denominar de “imaginautas”. Os “imaginautas” - refletem ligações entre a cultura, a natureza pela moral e ética dos acontecimentos. Com isso, a nostalgia, fonte da imaginação pelas experiências indentitárias estão cada vez em desuso. A nostalgia, alimentada pela saudade renova o sentimento humano. E, só é possível nostalgia pela capacidade da imaginação. Esses itens parecem que não são executados na era virtual. O vazio sentimental existente na era da internet congela toda forma de sentimento que proporciona indiferença padronizando as formas mentais que sinalizam a nossa identidade. Deixamos de adornar nossas mentes com valores que protagonizam as interações sociais. A era virtual é forte em diagnosticar o ódio, é disruptiva. Digamos que há uma proliferação do discurso do nada, onde tudo se baseia no de sempre, sem expectativas.

Então, cadê o sentimento que estava aqui? Como desenvolver o imaginário em tempos de descasos? Qual a fonte de busca, sem ser fruto do Google?

Embora pareça um tanto dramático, estamos vivenciando tempos de melancolia. Além de que os seres humanos estão ficando “insuportáveis” mediante as formas de convivência humana. Dá trabalho assumir uma postura do bem. Assim o coletivo Tiqqun afirma: “Uma metafísica crítica poderia nascer com a ciência dos dispositivos”. Acreditamos que a era do dispositivo tenha intersecção com a subjetividade para proporcionar ou até mesmo ofuscar e confundir os sentimentos humanos.

Nessa perspectiva, o Ibn Tufail que escreveu o livro Filósofo Autodidata teve como preocupação nos mostrar a essência dos seres humanos pela grandeza da alma em relação aos elementos da natureza, ou seja, a verdadeira existência do ser humano no mundo. Ao perceber que a busca pela sabedoria é muito complicada, o ser humano prefere o caminho mais fácil, que é pelo prazer e consumo. Giordano Bruno1 também teve preocupação em compreender a essência humana na dimensão do mundo pelo infinito. Bruno afirma: “Assim como é bom que exista esse mundo, é igualmente bom que exista cada de infinitos outros”.

São tantos infinitos em cada finito de gente. Por isso, o rastro que deixaremos ao mundo pode servir ou não, vai depender do esforço, da vontade em imaginar e criar. Os “imaginautas” são responsáveis em buscar a sabedoria pela compreensão entre o sagrado e o profano. Não podemos deixar de sonhar. Os sonhos reafirmam o mito que por sua vez revelam narrativas de lendas para oferecer um elo entre o material e o imaterial. Para tanto, Cassirer afirma:

O homem não vive somente num universo de fatos (concreto), pois ele supera o determinismo da vida biológica/natural e propõe um universo simbólico, rompendo com a ordem natural à qual era submetido, isto é, o mundo da cultura externo a ele. De acordo com Reale e Antiseri, Cassirer considera que para a filosofia das formas simbólicas “[...] os animais têm sinais, os homens produzem símbolos” (Reale; Antiseri, 1991, p. 445). Este homem vive em um mundo simbólico mediado pela linguagem, pelo mito, pela religião, pela arte e pela ciência. Como Cassirer as define: pelas formas simbólicas, que estruturam funcionalmente a experiência humana como “[...] caminhos que conduzem à visão objetiva das coisas e da vida humana” (Cassirer, 1972, p. 227).

Não podemos perder a sacralização dos símbolos. A magia do mundo dos mitos funciona como regador para essência na vida das pessoas. Os mitos funcionam como fortalecimento da memória para fornecimento dos sentimentos e da arte. A professora Elisabet Gonçalves Moreira em seu livro Leituras exemplares (à maneira de Tostói) afirma,

Sim, explicando melhor, o grande escritor russo, autor de “Guerra e Paz” e “Ana Karenina”, entre muitas outras obras que marcam o século XIX e a literatura universal, tinha em mente que a Arte deve comunicar sentimentos do bem, pois o bem é eterno, ao contrário da beleza que é temporária. Em sínteses, um bom artista é aquele que consegue passar uma mensagem complexa da forma mais simples possível.

(Moreira, E. Leituras Exemplares (à maneira de Tolstói). Petrolina: Carranca Cartoneira, 2019)

A interface do bem aponta para as lembranças, provoca saudade e nostalgia, aguça o imaginário e aporta para o infinito eterno. Por isso, os mitos são importantes, fazem parte da alma. O filósofo Eliade Mircea, um iluminado, escreveu sobre a subjetividade dos seres humanos explicando o sentido do sagrado e do profano na vida dos seres humanos.

O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela.

(Mircea, E. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. P.13)

A hierofonia, manifestação do sagrado, ajuda aos seres humanos encontrar a sabedoria para convivência no mundo. É melhor ser um sábio pobre ou ser um rico sem sabedoria?

A vida em sociedade requer uma atenção entre as técnicas, o tempo e as interações. Os atos dos seres humanos deixaram de ter uma comunhão com o sagrado, daí perdeu o sentido nos sentimentos e por sua vez foi inaugurada uma vida fake.

Para vislumbrar um novo “ser social” em um mundo de tecnologia, devemos nos comprometer com os estudos biogeografia.

Biogeografia atualmente vem sendo entendida como “a ciência que se preocupa em documentar e compreender os padrões espaciais da biodiversidade”. Camargo & Troppmair (2002) afirmam que a Biogeografia é uma ciência complexa e de caráter interdisciplinar, que necessita do conhecimento de outras ciências afins, como a Geologia, Biologia, Zoologia, Ecologia, Botânica, Geografia, entre outras. Além disso, estes autores enfatizam que a Biogeografia trabalhada pelo geógrafo, difere-se da Biogeografia de outros profissionais.

(A nova natureza do mundo e a necessidade de uma biogeografia “social”)

Encontrar a ponte do no “ser social” no mundo praticamente virtual, é buscar não abandonar a sacralização dos símbolos. Trazendo o simbólico para a vida. Há de se considerar como constatou Ernest Cassirer que o homem é um animal simbólico, produz formas simbólicas para compreensão da realidade no mundo.

No entanto, o filósofo defende que “Em confronto com os outros animais, o homem não vive apenas numa realidade mais vasta; vive, por assim dizer, numa nova dimensão da realidade” (Cassirer, 1972, p. 49). O homem não vive somente num universo de fatos (concreto), pois ele supera o determinismo da vida biológica/natural e propõe um universo simbólico, rompendo com a ordem natural à qual era submetido, isto é, o mundo da cultura externo a ele. De acordo com Reale e Antiseri, Cassirer considera que para a filosofia das formas simbólicas “[...] os animais têm sinais, os homens produzem símbolos” (Reale; Antiseri, 1991, p. 445). Este homem vive em um mundo simbólico mediado pela linguagem, pelo mito, pela religião, pela arte e pela ciência. Como Cassirer as define: pelas formas simbólicas, que estruturam funcionalmente a experiência humana como “[...] caminhos que conduzem à visão objetiva das coisas e da vida humana” (Cassirer, 1972, p. 227).

(As formas simbólicas de Ernst Cassirer e o conceito de Patrimônio Cultural: um diálogo possível com base no estudo da Casa do Divino)

Para produzir símbolos o ser humano constrói em seu imaginário um mundo social e por sua vez sacraliza suas formas simbólicas, mas, neste novo contexto em que vivemos, conseguimos realizar a dessacralização de tudo, levando ao vazio da essência da existência humana. A busca pela sabedoria perdeu o interesse e não há mais busca, as coisas acontecem pela dimensão do consumo e da estética. Será que o rastro que queremos deixar ao mundo se desmanchou no ar?

Ainda há tempo para reatualizar o tempo, dessa maneira a magia pode existir, o imaginário pode aflorar e assim caminharemos em busca da sabedoria.

O Tempo de origem de uma realidade, quer dizer, o Tempo fundado pela primeira aparição desta realidade, tem um valor e uma função exemplares; é por essa razão que o homem se esforça por reatualizá-lo periodicamente mediante rituais apropriados. Mas a “primeira manifestação” de uma realidade equivale à sua “criação” pelos Seres divinos ou semi-divinos: reencontrar o Tempo de origem implica, portanto, a repetição ritual In ato criador dos deuses. A reatualização periódica dos atos criadores efetuados pelos seres divinos ira illo tempore constitui o calendário sagrado, o conjunto das festas. Uma festa desenrola se sempre no Tempo original. É justamente a reintegração desse Tempo original e sagrado que diferencia o comportamento humano durante a festa daquele de antes ou depois. Em muitos casos, realizam-se durante a festa os mesmos atos dos intervalos não festivos, mas o homem religioso crê que vive então num outro tempo, que conseguiu reencontrar o 'illud tempus' mítico.

(Mircea, E. O sagrado e o profano)

Assim, devemos se esforçar na reatualização dos rituais, não podemos perder a ponte com o divino. A centelha do sagrado deve ser acesa no decorrer da construção da vida. Reinventar é propósito, construir um mundo com sagrado alimenta o imaginário e conduz ao refinamento do humano pela cultura. Por sua vez, a filosofia nos move para o caminho da sabedoria, eleva a identidade erguendo a cidadania. Pertencer ao mundo dos documentos, dos registros e das estatísticas sem perder de vista o sagrado, não é tarefa fácil.

Querer o bem, pensar o bem, e fazer o bem podem ser um exercício difícil para os que não querem sair da zona de conforto. Servir e amar pode até ser uma balela, mas devemos cuidar da nossa essência que não é vista a olho nu, está escondida em cada ser humano e precisa ser lapidada para produzir alacridade. A alma é eterna. Necessitamos de Poesias e de Arte. O novo sempre vem, assim como a hora do pôr do sol é sagrada, a era industrial e digital, não pode derrubar e apagar o nosso rastro no mundo. Lembrem-se, estamos ligados aos mitos, aos ritos e a busca da sabedoria. Então o rastro que queremos deixar ao mundo é avivar o caminho da sabedoria pelas formas simbólicas do sagrado.

Nota

1 Giordano Bruno (1548-1600) nasceu em Roma, Itália, fora filho do militar Giovanne Bruno e de Flaudissa Savolino, seu nome de batismo era Felippo, tendo adotado o nome de Giordano quando ingressou na ordem dominicana1 . Lá, estudou profundamente a filosofia aristotélica e também a teologia tomista, doutorando-se em teologia. Bruno sempre foi contestador, não tarda a trair contra si próprio contrárias e perseguições. Em 1576, abandonou o hábito ao ser acusado de heresia por duvidar da santíssima trindade. Para mais informações.