O conjunto de chuvas ocorridas no primeiro semestre de 2019, demonstraram uma cidade que se desmancha. Fato já observado de forma até mais intensa e mais letal nas chuvas de 1988, 1996 e 2010.
O voo efetuado em 22/05/2019 pelo projeto Olho Verde mostra uma região, onde o produto da procrastinação made in Brazil, conhecida informalmente como nossa famosa forma de "empurrar com a barriga" os problemas, gerou esse quadro de insolvência ambiental.
Simplesmente estouramos o crédito, estouramos o cheque especial com a Natureza não apenas da cidade do Rio de Janeiro, como em toda a região metropolitana de mesmo nome. Mas nem assim paramos de continuar no aumento de nossas dívidas, seja no cheque especial, cartão de crédito, estelionatários e o que tiver na praça.
Avança-se sobre as baixadas, aterrando-as com lixo, seja ele qual for, seja na baixada de Jacarepaguá, ou na baixada Fluminense, pois a degradação desconhece fronteiras.
Aterram-se brejos e manguezais, seja no perímetro de segurança do aeroporto de Jacarepaguá ou do aeroporto internacional do Rio de Janeiro, onde não raro ouve-se repetidamente os alertas sobre aves, especialmente urubus, voando na região, ameaçando o voo das aeronaves.
Aliás, não apenas urubus ameaçam as aeronaves, como também os balões que são lançados criminosamente, sem qualquer arrependimento a respeito das potenciais tragédias aéreas ou ambientais que possam gerar, afinal por aqui, manda quem pode, e não quem tem juízo!
Percorrendo a linha litorânea compreendida entre a Barra da Tijuca e Gramacho em Duque de Caxias, percebe-se o que décadas de descaso e impunidade geraram.
Claro que tudo que está acontecendo não é uma perseguição gratuita, fortuita da Natureza contra o pobre Carioca ou Fluminense. Longe disso! O caos instalado é produzido voluntariamente por uma mistura de interesses públicos e privados de determinados grupos que se beneficiaram ou ainda se beneficiam politicamente e economicamente da degradação.
Sim, a degradação enriquece determinadas castas em detrimento do empobrecimento da maioria, seja ela atuante ou preferencialmente omissa em nosso caso.
Como já dito, a maioria prejudicada num primeiro momento foi vítima, mas faz muito tempo que se tornou cúmplice da degradação que a abocanha.
Voltando ao voo, percebem-se vários cartões postais internacionais desbotados por lixo e esgoto, como se por aqui não houvessem aportado dezenas de bilhões de reais nos últimos anos.
A praia de Botafogo, continua com suas águas pútridas, enriquecida pelos lançamentos de esgoto que escoam sem maiores problemas pela foz dos rios Banana Podre e Berquó, sem nenhuma novidade.
A marina da Glória, que até os dois últimos voos, não apresentava sinais de contaminação por esgoto, no dia do voo estava servindo novamente de latrina, onde também não faltavam resíduos flutuantes na principal marina pública da cidade.
É inacreditável a visão do ainda belo Boulevard Olímpico, onde houve interesse da administração municipal passada de que acontecessem as obras dentro do prazo e o estado das águas do porto do Rio de Janeiro, elemento dominante que não teve a menor atenção como de praxe. É o porto maravilha junto do coco maravilha! Esgoto jorrando da maioria das galerias de "águas pluviais" bem como e principalmente do canal do Mangue, produzindo imagens psicolifórmicas naquilo que um dia foi água. O cheiro de podre pode ser sentido lá do alto.
A região do Cajú, antiga área de lazer da família imperial é o microcosmo do que é o Brasil.
Em frente a imponente e subutilizada estação de tratamento de esgoto da Alegria, 50% de seus equipamentos jazem natimortos, isto é, nunca devem ter sido utilizados enquanto a bacia hidrográfica local é merda pura, bem na entrada internacional da cidade maravilhosa.
O cheiro de gás sulfídrico ou de ovo podre é generalizado e oferecido para quem chega já desiludido na cidade ou para quem é obrigado a passar todos os dias por aquela câmara de gás, sem falar em quem mora na periferia do canal do Fundão.
Passando pelo piscinão de Ramos com suas águas translúcidas, depois do banho de cloro e demais tratamentos recebidos, observa-se a diferença entre as águas da área de lazer e a pasta na qual se transformaram as "águas" da baía de Guanabara, destino final de milhares de metros cúbicos de esgoto do valão da Penha, onde literalmente embarcações de uma marina local, flutuam na merda.
Chegando em Duque de Caxias, o CAOS na disposição final de resíduos de todos os tipos e fontes é cena de Mad Max ou Blade Runner, onde as principais vítimas ambientais são os manguezais da baía e os brejos da faixa marginal de proteção do "rio" Sarapuí, um dos maiores valões de esgoto que desembocam na baía. A tal baía de Guanabara vai perdendo profundidade à olhos vistos, com áreas de seu espelho dágua sendo transformadas em baixios, ilhas de lama e lixo de 1.5 à 6.0 milhões de metros quadrados, onde falta pouco para a ilha do Governador se unir ao município de Duque de Caxias durante os períodos de baixamar de sizígia. A contaminação por lá chegou à perfeição onde solo, água e ar foram devidamente exterminados e servirão em breve para a política habitacional verde e amarela, ou seja, cada um por si.
Retornando à baixada de Jacarepaguá, encontram-se por toda parte lixões verticais e horizontais associados às comunidades ou favelas conforme o viés ideológico que do ponto de vista técnico, não muda nada no resultado final ambiental, que lançam morro abaixo os resíduos não recolhidos, multiplicando o perigo da explosão de vetores e as doenças associadas.
Francamente, dá um desespero, ver todo aquela degradação lá de cima. Imagino o que não deve ser viver sem saneamento, sem recolhimento de resíduos, sem segurança, sem qualidade de vida e talvez sem perspectiva de dias melhores.
Observando o maciço da Tijuca em sua porção voltada para o oceano, são nítidas as tragédias anunciadas em gestação tanto em áreas privilegiadas como não privilegiadas economicamente, visto que a Natureza desconhece esses parâmetros humanos.
O Vidigal e a Muzema são as áreas que mais chamam a atenção em função dos mais do que nítidos sinais de instabilidade, tanto em áreas com ocupação humana ou sem qualquer ocupação. Ou seja, mesmo onde a Natureza não sofreu intervenção humana, a capa de solo e a vegetação não foram capazes de suportar o volume de água descarregado pelas chuvas. Isso é nítido junto a avenida Niemayer.
São inúmeras as "feridas" bem como os trechos que exigem das autoridades agilidade em buscar estabilidade para os deslocamentos de solo, vegetação e pedras que ainda ameaçam continuar cobrando a fatura pela tal procrastinação de nossos problemas históricos onde entra e sai ano, entra e sai governo, nunca são eficientemente resolvidos, apesar dos bilhões torrados em outras prioridades políticas.
A descida do helicóptero é amarga como em todos os voos com aquela certeza cristalina que no Brasil, o mal ambiental compensa e que continuamos pensando e gerindo o ambiente como uma colônia de exploração do século XXI.
O único problema ou detalhe diferencial é que a Natureza dá claros sinais para quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir que a paciência acabou.