O presidente perguntou aquilo que – obviamente! - todos os membros da família tradicional brasileira querem, devem e precisam saber. Após postar um vídeo de conteúdo pornográfico (entre homens), que acabou sendo vetado por infringir as normas de conteúdo do Twitter, o nosso líder supremo lançou a pergunta na mesma plataforma que, aliás, é de fato o melhor meio para que um estadista tire esse tipo de dúvida - só que não. Estadista este que acha a homossexualidade uma anomalia, que se mancomuna com gente que defende cura para o que não é doença; mas que, ao mesmo tempo e ao que tudo indica, tem um filho que parece ser gay e que mantém uma relação homoafetiva. Não que isso venha ao caso, mas não posso deixar de imaginar que os jornalistas mais sensatos só não investiguem essa relação a fundo porque ser filho do Messias tupiniquim já deve ser um calvário para quem é homossexual. Mas isso são apenas conjecturas, que não mudam em nada o constrangimento internacional desse imbróglio gerado por nosso mais alto representante, que parece ter mais talento para blogueirinha do que para presidir a maior nação da América Latina.
Então, a pedido do seu fiel eleitorado, vou parar de exigir coerência e o mínimo de decoro, afinal, tenho que deixar o homem governar e parar de torcer contra. Vamos então, ajudar o presidente elucidando sua dúvida, porque isso é realmente um assunto que concerne o Estado Brasileiro e digno de menção no perfil oficial do presidente.
Golden Shower é uma expressão em inglês que se refere à urofilia, ou seja, o ato de excitar-se sexualmente com a urina, como demonstra a cena que o presidente achou conveniente postar em sua rede social, alegando estar fazendo um alerta à população sobre os supostos perigos do carnaval. Então, é isso, está explicado. Tá ok?
Agora que essa questão primordial já foi devidamente elucidada, já podemos falar sobre o que de fato é a realidade do carnaval brasileiro, que, não só é a maior festa do planeta, como também a mais democrática e abrangente em suas várias formas de celebração. O festival se estende por quase todo o nosso vasto território e está presente no imaginário cultural, a gente gostando ou não de pular carnaval. Gostando ou não de samba, frevo, marchinha, axé, funk e vários eteceteras. É como diz um trecho de Cidade Maravilhosa, aquela marchinha atemporal, que existe desde os anos trinta: “berço do samba e lindas canções, que vivem n’alma da gente”. Se você é brasileiro, não precisa celebrar o carnaval, nem gostar dele, para que ele seja parte do seu repertório cultural. Todos os códigos estético-visuais abarcados no festival, suas significações, suas mensagens, existem ‘n’alma da gente’, e somos quase trezentos milhões. Imagine a força, o poder disso. Não é à toa que é magnético. Não por acaso é um dos maiores chamarizes para turistas internacionais, nossa marca registrada para o mundo.
Em mais de três décadas de Brasil, desconheço um processo mais potente de catarse e uma forma mais orgânica e natural de falar sobre as nossas questões, de fermentar os nossos conflitos, cutucar as nossas feridas, pôr as cartas na mesa e expor as nossas mazelas. Nossas fraturas e nossas vitórias, está tudo exposto: no sambódromo, nas vozes dos puxadores, nas marchinhas retomadas e readaptadas a cada ano, nas fantasias e na criatividade dos foliões, nas alegorias, nas comunidades periféricas que reclamam para si uma centralidade impossível em outros contextos e épocas do ano (e tenho plena consciência de que falo isso de um lugar bastante privilegiado, mas penso que as escolas de samba – como outros tipos de agremiações carnavalescas tradicionais - e todos os seus rituais seguem uma liturgia própria, que não tem muito a ver com o Brasil branco e burguês, por mais que queiramos participar da festa e até paguemos caro para estar lá). Vide o enredo vitorioso da Mangueira neste 2019. A escola saiu à avenida levantando bandeiras estampadas com o rosto de Marielle Franco (a vereadora carioca assassinada por milicianos, possivelmente com o aval de agentes do Estado), com um monumento banhado em sangue indígena (réplica do monumento às bandeiras da capital paulista) e com os heróis negros que nossas escolas insistem em deixar de fora do currículo. Uma narrativa que levou à forra todos os progressistas, humanistas, que estavam com esse grito entalado na garganta desde novembro do ano passado. E mais que isso, o grito de milhões de brasileiros negros e indígenas, os filhos dessa terra eternamente vítimas de um genocídio que não tem fim. O carnaval é o brasileiro contando a própria história, escrevendo-a em forma de samba, da forma que a gente criou, sem o eurocentrismo acadêmico, sem o branqueamento da elite. É brilhante tanto quanto necessário. Dizer qualquer coisa no sentido oposto, é pura desfaçatez.
No entanto, diante de um cenário de tamanha complexidade e riqueza cultural, o presidente da nação brasileira preferiu divulgar dois homens em atividades sexuais, supostamente durante o carnaval de São Paulo. Não contente em nos constranger diante do mundo com tamanha falta de noção e mesura, ainda arremata com a pergunta título desse artigo.
Agora, quem tem uma pergunta sou eu: além dos homens envolvidos, a quem mais esse vídeo interessa? E eu mesma respondo: a ninguém. Certamente não ao governo federal. Se deus é mesmo brasileiro, ele só pode ter fugido depois das eleições.