A mim, o que foi dado pela natureza foi um modesto dom da palavra. Traduzo, e nessa ocupação tenho o privilégio de construir a fala daqueles cujos dons são menos modestos que o meu, numa língua que não é a deles. Tenho também alguns espaços, como este, para que eu possa exercer, de uma outra forma, o ofício da palavra e deixar fluir um pouco a minha própria voz.
No entanto, tem sido cada vez mais difícil escrever. Articular é para as mentes que compreendem uma determinada lógica. Mas o momento é de tamanha complexidade que as palavras fogem, perdem sua razão de ser. O que dizer diante do abismo da razão no qual já nos precipitamos? Ainda faz sentido dizer alguma coisa?
Por outro lado, o sol continua nascendo cada manhã, as plantas precisam de água, as roupas precisam ser lavadas, sua mãe ainda espera o seu ‘zapzap’ diário para saber que você está vivo, saudável e alimentado. Seus chefes ou clientes ainda te mandam e-mails pedindo coisas e, ainda que elas tenham passado a parecer estapafúrdias e fora de propósito, você se esforça em fazê-las. O jogo continua.
E enquanto eu não for obrigada a preencher um espaço de publicação, como este, com receita de bolo, vou utilizar a minha ferramenta de trabalho, a palavra, do jeito que mais me aprouver. Portanto, deixo abaixo essas diquinhas de ouro das quais você pode lançar mão quando achar que vai explodir ou deixar-se cair em letargia profunda. Às vezes funciona.
Cuide desse corpitcho
Não tem o povo do “seu corpo é o seu templo”? Então, comece a cuidar com carinho dessa sua casinha. Coma bem, escolha os alimentos com critério, não faça nenhuma dieta maluca: agora não é hora de ficar amargurado de fome. Mas também, apesar dos pesares, tente controlar a ansiedade e não enfie o pé na jaca, porque se a sua calça começar a não fechar e ainda por cima você estiver vivendo numa ditadura, isso pode ser demais para o seu emocional – e a gente não quer nenhum suicida aqui. Faça exercício, que produz endorfina, aí você fica menos azedo, consegue até dar um sorrisinho pra aquele colega ‘reaça’ chato com quem você acha que vai acabar perdendo as estribeiras.
Encontre seus universos paralelos
Amiguinhos, a gente vai super entender se você precisar sair um pouco da realidade, até porque (né?), quem tá suportando legal é porque não está entendendo de verdade o que está rolando. Só não vai usar uns alucinógenos pesados aí, que isso vai contra a dica número 1. Passa na livraria mais próxima de você e compra vários livros, vou até deixar umas dicas de coisas que li este ano (2018): O Conto da Aia, To Kill a Mockingbird, O útero é do Tamanho de um Punho, Persuasão, Um buraco com meu nome, A Mulher de pés descalços, Contra os Filhos, Os irmãos Karamázov, Assim a Vida Passa, As flores do mal. Leia Grande Sertão, Veredas. Leia Drummond e Pessoa e Shakespeare. Você vai passar horas em mundos extremamente envolventes, onde você não precisa resolver nenhum problema. Se ficou com dor de cabeça de tanto ler, abre a Netflix, faz maratona de séries. Essa nova, Maniac, é bem pirada, vai fazer bem observar um universo fictício onde as pessoas são bem mais desarranjadas emocionalmente que você. Pra mim, pelo menos, foi. Então fica aí a dica.
Monte uma playlist digna de uma utopia
Esquece banda indie, isso só vai te dar depressão e te induzir à bebida. Rock progressivo também está vetado, ainda mais agora que o Roger Waters vai ser proibido no país, isso pode te trazer problemas com a polícia. Pense na trilha sonora que tocaria de fundo se você fosse pra ilha da fantasia. Eu mesma já estou à base de Disco Forever e One-hit Wonders, minhas novas queridinhas (disponíveis no Spotify). Mas gente, se o seu guilty pleasure for sertanejo, pagode, quadradinho de oito, vai fundo, eu tenho certeza que vai achar a playlist certa. Apenas lembre-se: é pra ativar os músculos do corpo, não o cérebro. Então, PELO AMOR DE DEUS, não me vão ouvir Chico Buarque, que é uma passagem direta e sem volta pra melancolia, pra culpa e o desespero (depois vai ficar chorando 5 dias e gritando “isso tudo de novo não!”, e ninguém vai entender nada). Mas se quiser, tá livre pra segurar o tchan.
Ame. Ou não, também
Nesses momentos de consternação, a gente entende quem é de fato importante para nós (e para quem de fato somos importantes), e uma dessas pessoas deve ser você mesmo. Sempre que possível, se mime, nem que seja só com tempo livre pra ficar prostrado sem se sentir obrigado a nada. Tem a famosa citação do Hemingway, que saber quem estará ao seu lado nas trincheiras é mais importante do que a própria guerra. Hemingway foi um homem brilhante e machista, o que me faz sentir um pouco esquisita de fazer essa menção, mas devo admitir que nesse ponto concordo absolutamente com ele. Quando as máscaras caem e você tem uma visão clara de quem estará ao seu lado se e quando o pior acontecer, podemos ter certeza do lado que queremos estar, do ser humano que queremos ser. E se uma pessoa defende aquilo que põe em risco a sua própria existência, ou a de outras pessoas que você ama, você não tem a menor obrigação de continuar gostando dela. Desfazer laços às vezes é tão importante quanto fazê-los.
Pense no futuro
Mas bem lá no futuro mesmo. Se você sobreviver e tiver netos, sobrinhos-netos, gatos, cachorros, furões ou familiares de amigos que gostem de você, eles vão poder se orgulhar e dizer que você ficou do lado certo, mesmo que derrotado. O tempo é o pai da História. E a História sempre encontra um jeito de jogar bem na nossa cara todas as bobagens, e ainda dizer “Eu disse, desgraça! Eu avisei que ia dar errado isso, aí!”. Então, fique tranquilo, que lá na frente, um dia, a justiça será feita. Só não hoje.
Então essas foram as dicas. Respiremos fundo e vamos lá, abrir esse novo capítulo da nossa vida, seja ele qual for.