Toda cidade tem seus ícones... e com o Recife não é diferente: o Museu do Estado de Pernambuco (MEPE) é um deles. Símbolo da arte e história da terra pernambucana, um equipamento cultural moderno e dinâmico; consolidado com um legítimo ponto de convergência da cultura do estado.
Mas quem o vê hoje com a pauta sempre cheia, as múltiplas atividades, os visitantes de todas as partes e os projetos de sucesso, não sabe o quanto foi preciso caminhar até que se chegasse à atual condição... Foi uma longa jornada desde o início do século passado.
O MEPE surgiu em setembro de 1930 como Museu de História e de Arte Antiga e se instalou na cúpula do Palácio da Justiça, localizado na Praça da República, na parte central da capital pernambucana. Sua criação oficial havia ocorrido em fevereiro do ano anterior, por meio de ato do então governador Estácio de Albuquerque Coimbra (1872-1937). O Ato se baseara numa Lei (nº 1.918, de 1928) que autorizava a criação de uma Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais e um Museu Histórico e de Arte Antiga. Tratava-se de legislação pioneira no Nordeste e no Brasil, antecedendo a criação do próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Até o surgimento do Museu, prevalecia em Pernambuco a forte vocação e tradição para o campo da política e seus movimentos libertários... não era muito perceptível a cultura da valorização e preservação dos bens históricos, para além de ações governamentais pontuais e iniciativas de colecionadores particulares.
O governador Coimbra tinha grande interesse pela cultura. Entre suas principais iniciativas, pode-se destacar, além da criação do Museu, a construção da biblioteca pública estadual e sua especial atenção à preservação do patrimônio histórico e artístico. Seu secretário particular à época era, nada mais, nada menos, que o escritor Gilberto Freyre (1900-1987). Sociólogo, historiador e ensaísta pernambucano, hoje internacionalmente conhecido pela sua obra, com destaque para o livro Casa Grande & Senzala publicado em 1933 e considerado uma das obras literárias que melhor representa a formação da sociedade brasileira.
Ao abrir suas portas, em 1930, o Museu trouxe a público um acervo constituído por uma coleção de quadros do pintor pernambucano Telles Júnior; retratos dos imperadores Dom Pedro I e Dom Pedro II, das imperatrizes Leopoldina e Thereza Christina e também de alguns personagens de conhecidas famílias de Pernambuco. Contava com uma coleção de litografias e gravuras, móveis e documentos ligados ao estilo de vida europeu abraçado pelas famílias ricas do Brasil ao longo do século XIX, motivado, principalmente, pela chegada da família real portuguesa ao país em 1808 e pelo Decreto da Abertura dos Portos às Nações Amigas. Nesse período, passaram a circular pelo país muitos europeus, o que influenciou a sociedade para a adoção novas modas, modos e linguagem.
A segunda sede do Museu foi a Biblioteca Pública do Estado, onde permaneceu até maio de 1940, quando ganhou a denominação atual: Museu do Estado de Pernambuco - MEPE e foi transferido para um solar aristocrático implantado em parte de uma antiga chácara urbana, no bairro das Graças, a cerca de 5 Km do centro do Recife.
O casarão tinha sido a residência do barão de Beberibe, senhor Francisco Antônio de Oliveira (1788-1855) e foi vendido em novembro de 1916 por seus herdeiros a Julius von Söhsten que, posteriormente, ofereceu o bem como garantia hipotecária ao Banco Agrícola e Commercial de Pernambuco. Em 1935, o edifício passou em definitivo ao Estado, o que permitiu a instalação do Museu.
Hoje denominado Palacete Estácio Coimbra, numa justa homenagem prestada pelo Conselho Curador do Museu ao governador que criou a instituição, o casarão mantém as características da edificação eclética original, que traduzem com perfeição o estilo de vida de uma elite construída sobre bases escravocratas, num país tropical, mas em busca de se assemelhar cada vez mais aos padrões europeus, a fim de obter o reconhecimento de sua prosperidade... Amplas escadarias e um elaborado jardim frontal com elementos escultóricos em ferro (figuras femininas e também militares, vindas de Paris), luminárias e grandes jarros de mármore marcam o exterior do edifício.
Após quase 80 anos de atividade museológica, permanece nos terraços, nos jardins e no belo vitral que ilumina a escada no interior do edifício o «clima» de um tempo que marcou a história de Pernambuco. Nos 604 m2 que compõem os dois pavimentos do Palacete, encontra-se montada a exposição de longa duração O casarão e a cidade, cuja museografia remete ao modo de vida da sociedade pernambucana do século XIX, por meio da reprodução de alguns espaços domésticos da época, com a atmosfera senhorial, em seus objetos, usos e costumes.
Ao longo dos anos, o MEPE foi ampliado e renovado. Um anexo foi construído em 1951 para a ampliação dos espaços de exposição e instalação da reserva técnica, tendo sido ampliado e completamente renovado em 2003. Em 2008, por decisão do Conselho Curador, esse anexo passou a se chamar Espaço Cícero Dias, em homenagem a um importante pintor pernambucano. Hoje possui 1.265 m2 de área distribuídos em dois pavimentos e abriga a administração, apoio, reserva técnica, biblioteca, três salas expositivas e um grande hall de entrada onde ocorrem com frequência lançamentos de livros, exposições e outros eventos. Conta também com um auditório com 72 lugares e sala com a nova exposição de longa duração Pernambuco, território e patrimônio de um povo, inaugurada em agosto de 2017 no pavimento térreo, reunindo peças representativas de diversas coleções do acervo do Museu.
Hoje, o MEPE é um equipamento consolidado possuidor de um acervo plural: um polo de intensa atividade cultural. É uma instituição governamental moderna gerenciada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE) e que nos últimos dez anos passou por um intenso processo de restruturação, caracterizado principalmente pelo diálogo com a sociedade, pela busca da profissionalização e da excelência. Nesse período o MEPE assumiu ativamente o seu protagonismo no cenário cultural do estado e veio ampliando cada vez mais a atuação junto à sociedade, destacando-se como ator dos mais relevantes para a preservação e divulgação da memória material e imaterial de Pernambuco, como também dos povos que contribuíram para a formação da história do estado. Transformou-se em um ambiente efervescente e vivo, que merece ser explorado por todos aqueles que admiram a arte e reverenciam a história.
A instituição concretizou essas ações tendo como sustentação a atuação da gestão na busca de apoios e patrocínios junto aos setores público e privado. Entre 2007 a 2017 foram realizadas inúmeras exposições individuais e coletivas com artistas locais, grupos de relevância nacional e internacional e exposições históricas. O MEPE abrigou dezenas de eventos de lançamento de livros, sendo 73 da Companhia Editora de Pernambuco – CEPE e muitas palestras e encontros. Foram restauradas peças valiosas pertencentes ao acervo, que passou por uma considerável ampliação.
O acervo do MEPE, desde a fundação até os dias atuais, incorporou mais de 15.000 objetos distribuídos em dezenas de coleções, apresentando uma grande diversidade de elementos iconográficos, etnográficos, arqueológicos e artísticos, que permitem ao observador se remeter a diversos tempos históricos. Nos últimos dez anos, somaram-se 476 novos itens, por meio do recebimento de doações analisadas e aprovadas pelo Conselho Curador. Também merecem registro as muitas iniciativas do período para a melhoria dos espaços físicos, entre várias outras ações e projetos de cunho estrutural envolvendo o edifício principal, o anexo e a área exterior do Museu. Projetos para inventário do acervo, organização e adequação da reserva técnica aos modernos padrões técnicos da atualidade, entre muitas outras ações.
Merecem registro também os programas educativos para visitantes (estudantes do ensino fundamental, grupos de idosos, entre outros), as oficinas de artífices restauradores que formaram mais de 200 profissionais e o estabelecimento de importantes parcerias com a sociedade civil e a iniciativa privada.
Cabe ressaltar a participação da Sociedade de Amigos do Museu do Estado de Pernambuco – SAMPE, que após passar por reformulação e ampliação dos seus associados assumiu um papel fundamental no apoio, produção e divulgação das atividades do MEPE.
O Museu é atualmente um núcleo de produção cultural de alta qualidade do estado e da região Nordeste do país. Constitui-se em instituição de referência no Brasil e está interligado com as mais importantes instituições culturais nacionais.
Para registrar os grandes avanços alcançados na última década, o Museu do Estado de Pernambuco lançou este mês uma publicação retrospectiva. O livro versa sobre a profunda redefinição do seu papel na produção cultural estadual, regional e nacional, sobre as grandes reformas em sua estrutura física, gerencial e, especialmente, sobre a evolução de sua relação com a sociedade. Reflete o processo de construção de um novo momento na gestão do MEPE, com a agregação de valor traduzida pelas ações citadas, as quais já integram a história da cultura pernambucana. Ao evento de lançamento do livro, somou-se a abertura da Mostra de Obras Doadas nos últimos dez anos.
Intitulado Uma Década para Lembrar – 2007/2017, a publicação reúne informações sobre todos esses acontecimentos de modo preciso, sistematizado e cronológico. O projeto, que teve idealização e concepção da Diretora Margot Monteiro, teve como proponente a SAMPE. A equipe de elaboração reuniu jornalista, coordenadores, pesquisadores, designer, fotógrafos, revisores, produtora, tradutora, entre outros. Contou com patrocínio do Banco Santander e apoio da CEPE. É uma publicação que conseguiu agregar informações, muitas delas até hoje espalhadas em folders, jornais, computadores, ou mesmo nas lembranças dos partícipes dessa construção.
Um livro que traz muitas imagens, textos inéditos e riqueza de detalhes sobre os projetos e iniciativas do MEPE na última década, facilitando o acesso a dados e informações sobre a história recente do Museu, contada com a colaboração de vários intelectuais e profissionais ligados à área da cultura e da museologia. A publicação contribui para a divulgação de boas práticas de gestão em momentos de crise econômica, ao fornecer um panorama fiel das realizações do MEPE durante a década 2007 a 2017. Leva à constatação de que a construção do atual momento do Museu se deu pela busca de soluções sustentáveis diante de dificuldades que, em geral, apresentam-se em vários momentos nas instituições museológicas. O livro permite a materialização da memória, de modo qualitativo e quantitativo, bem como uma reflexão sobre as grandes possibilidades e perspectivas para o futuro do MEPE, sem dúvida um importante museu do Brasil.
O presente artigo foi construído com base nos textos elaborados pela jornalista Andréa Franklin para o Museu do Estado de Pernambuco e que compõem o livro Uma Década para Lembrar – 2007/2017.