Era uma vez um relógio de bolso, símbolo pessoano que inspirou a Jóia de Pessoa, by A. Sinai.
Trata-se de uma jóia em prata com parceria Topázio e que a artista denominou Despertador, dado que, gravada no mostrador, se encontra uma das máximas de Pessoa:
«Tudo vale a pena quando a alma não é pequena»,
sendo que na versão inglesa a inscrição é a seguinte:
«I have in me all the dreams of the world».
Para além deste simbolismo das formas do conteúdo, existe um outro, não menos importante: o facto da parte superior que esconde e revela o mostrador, desliza como se fosse um leque a abrir muito lentamente, a desvendar o mistério da mensagem pessoana, no seu interior.
Tal facto transmite metaforicamente a ligação muito especial de F. Pessoa ao Oriente e a Macau em particular, onde viveu o seu Mestre e Amigo Camilo Pessanha.
Relembremos o Opiário nestes versos de Álvaro de Campos:
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente
Iluminado por um sol nascente; mas não só, eis aqui um poema seu simbólico desta ligação e comunhão com o Oriente:Vem noite antiquíssima
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, Sintoísta, Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde- quem sabe?- Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando em tudo….
A denominação Oriente é, de facto, problemática. O que é o Oriente? Uma entidade geográfica, cultural, filosófica, religiosa, antropológica ou... imaginária? As imaginações acerca de um Oriente vago, distante e misterioso têm, sem dúvida, sido muitas. Nesse aspecto, ele tem sido identificado como um outro face a um próprio. Aliás, o oriental tem sido, ao longo dos séculos da imaginação europeia (e “ocidental”), sobretudo isto: o Outro; o Outro de um Ocidente dramático e drama em gente é o retrato psicológico da obra pessoana.
Comemoremos este Génio da psicologia que nos ensinou a todos, que somos Seres plurais, com rosto e máscaras, com vários pontos cardeais dentro de nós e que o nosso relógio deve ser Timeless; um despertador da consciência.
O nosso Pessoa sabia que o resto de si rumava para Oriente; para uma aventura espiritual que contava com Camilo Pessanha como seu companheiro de estrada.
Será que as suas folhas pertenciam à Flor de Lótus?
A jóia de Pessoa, de pendor orientalizante, irá por isso mesmo ser apresentada em Macau, no mês de Abril; na Fundação Casa de Macau no próximo mês de Junho e no Museu da Presidência em Lisboa, ainda este ano de 2018.