Capitão Fantástico ganhou certa atenção após sua exibição na mostra Un certain regard no festival de Cannes, e depois da indicação de Mortensen ao Oscar pela interpretação do protagonista Ben, um homem idealista e pai de seis. Muita gente vê no filme uma história bonitinha sobre valores familiares e superação, o que não deixa de ser verdade. Matt Ross soube tecer muito bem o enredo misturando carga dramática, humor e momentos de plasticidade estética. Mas Capitão Fantástico vai muito além do que o olhar leigo quer ver. É um manifesto por uma infância mais plena e uma educação que nos liberte, e às nossas crianças.
O enredo gira em torno da relação do pai com as crianças – a figura materna é uma ausência quase total ao longo da história. Embora as crianças sintam saudades da mãe, fica claro que nada na rotina delas mudou pois Ben se encarrega integralmente dos filhos e do lar (uma cabana no meio da floresta).
Apesar do que o título possa sugerir, Ben está longe de ser o pai modelo. E ele pode até ter valores e paradigmas um pouco extremos para os nossos parâmetros, mas ele é bem gente como a gente. Ele erra, e às vezes erra feio. Tem horas em que ele toma a decisão errada, e depois tem que voltar atrás. Em alguns momentos ele se acha o pior pai do mundo, e pensa em desistir de tudo.
Porém, há algumas coisas muito importantes que o protagonista de Capitão Fantástico pode nos ensinar. A primeira, é que criança também pensa. Pensa bastante e muito bem. E ele nos lembra que a escola (leia-se instituições de ensino formais) dilaceram todo o prazer e o verdadeiro significado da aprendizagem. Ao contrário de crianças que respondem a perguntas de teor acadêmico com “Ah, sei lá” ou “Ah, é um negócio de política, né?”, ou que simplesmente determinam que não gostam de ler (quando na verdade, não sabem ou conseguem interpretar), Ben nos apresenta crianças motivadas dentro das quais a curiosidade, inata a todos nós, ainda vibra.
Com todos os exageros que possamos apontar na criação dos jovens no filme, o que vemos são crianças extremamente criativas e autônomas. Elas correm, cantam, tocam instrumentos e expressam todas as suas emoções de maneira verdadeira. Elas não aprenderam a mentir. Os filhos de Ben pensam de forma crítica e contestam sem medo de ser humilhados ou agredidos. Quem pode dizer que teve esse privilégio na sua formação? Qual de nós teve a ousadia de dizer, no auge da nossa adolescência, diante de um professor ou autoridade que um grande nome do nosso cânone literário era perverso (há uma grande cena onde se discute Lolita)?
Outro ponto importante, é a busca de uma naturalidade na relação com a morte. Num contraponto com os seus sobrinhos, poupados das “conversas adultas”, o protagonista faz questão que seus filhos saibam a verdade, por mais que ela doa. Poupá-los da frustração não resolve seus problemas, e muito menos ameniza a dor monumental que estão vivendo. Viver a perda de forma plena e realista, que é tão importante para a criança quanto para o adulto, é um direito que os mais novos têm perdido porque nós decidimos que eles ainda não estão prontos.
Por trás do humor despretensioso do filme, se esconde uma narrativa necessária sobre a infância. Um lembrete de que a criança não é um ser aleatório ao funcionamento da humanidade - ela é parte integrante e essencial dela - e que estamos fazendo um péssimo trabalho ao aliená-las porque achamos que não são capazes ou inteligentes o suficiente. E dentro dessa história, e até para que ela funcione de maneira convincente, constrói-se um modelo de paternidade também necessário – constante, autônomo e que participe ativa e conscientemente das diversas etapas da criação dos seus filhos e filhas. Afinal de contas, cuidar de filho não deveria ser carga para ninguém, homem ou mulher, né?