Quase finalizado o período mais longo da maior festa verde e amarela, que arrastou dezenas, centenas de milhares de foliões pelas ruas, dizem alguns, que finalmente o ano de fato de 2017 irá começar no Brasil. Francamente considero essa avaliação no mínimo míope e sarcástica demais, principalmente para quem é obrigado e cumpre a risca o pagamento da extorsiva tributação imposta pelo quase sempre ineficiente e em muitos setores, obeso mórbido Estado brasileiro.
Mas vamos ao que interessa sob a ótica desse gigantismo numérico tupiniquim.
No Brasil existe uma obsessão por ser o maior em tudo. Temos a maior floresta. Temos as mulheres mais bonitas e sensuais. Temos, ou tínhamos, o melhor futebol do mundo. Temos o maior carnaval do planeta e por aí vai. Infelizmente também estamos entre os maiores quando avaliamos outros aspectos não tão positivos, tais como a corrupção quase que sistêmica no setor político, nas taxa de homicídios, estupros, falta de saneamento, supressão de ecossistemas para fins variados e por aí vai.
Especificamente com a questão do saneamento que atinge diretamente a qualidade ambiental e consequentemente a qualidade de vida da população, segundo o Instituto Trata Brasil os números negativos também são gigantescos:
Mais de 100 milhões de brasileiros não contam com o serviço de coleta de esgoto, isto é, esse esgoto irremediavelmente irá atingir diversos tipos de corpos dágua;
91% do esgoto produzido nas ocupações irregulares das 89 maiores cidades brasileiras não são coletados, isto é, esse esgoto irremediavelmente irá atingir diversos tipos de corpos dágua;
Em termos de volume, as capitais brasileiras lançaram 1,2 bilhão de m³ de esgotos na natureza em 2013, isto é, esse esgoto irremediavelmente irá atingir diversos tipos de corpos dágua;
Para universalização da água e dos esgotos esse custo será de R$ 303 bilhões em 20 anos.
Associado com esses dados que representam uma vergonha internacional e um custo econômico e ambiental monstruoso, eu também chamaria a atenção para o aspecto do crescimento urbano desordenado. Mais uma das chagas, principalmente urbanas, não resolvidas no Brasil, se mesmo hipoteticamente tendo um investimento estratosférico no setor de saneamento, sem políticas públicas eficientes e permanentes na área de habitação e transporte, nenhum esforço por mais eficiente que fosse na área de saneamento, daria conta do assunto.
Neste contexto nacional, a região metropolitana do Rio de Janeiro e especificamente a cidade do Rio de Janeiro, uma cidade de vocação internacionalmente turística são o quadro do histórico descaso com ambos os agentes causadores da degradação ambiental que eu particularmente acompanho desde 1997 pelo projeto de monitoramento ambiental aéreo Olho Verde.
Em recente matéria publica no jornal O Globo sob o título "A expansão desordenada da região metropolitana" assinada por Guilherme Ramalho, informa que o crescimento urbano na região é de 32 Km2 /ano, sendo que no município do Rio de Janeiro em apenas nove anos foram 56,33 quilômetros quadrados de áreas verdes urbanizadas das mais diversas formas, geralmente das maneiras mais precárias. Esse crescimento gera não apenas nos municípios ricos e conhecidos como nos pobres e pouco lembrados uma verdadeira metástase urbano-ambiental de proporções e consequências sócio-econômicas e ambientais explosivas em curtíssimo prazo de tempo, ainda mais graves das que já convivemos atualmente.
Mas afinal o que está faltando para estancarmos o armagedom sócio-ambiental?
Além dos números financeiros não menos gigantescos, necessários para debelar esse processo multifacetado de carências generalizadas, claramente o interesse dos tomadores de decisão ou mais especificamente da classe política brasileira de uma maneira geral, não está muito interessada com esses tipos de problemas. Quando setores específicos da sociedade apontam para a necessidade de medidas para estancar esta sangria urbano-ambiental, nossos políticos têm sempre a resposta pronta associando o atual quadro à falta de recursos.
No entanto sempre vale a pena lembrar que esses mesmos "administradores" eleitos pelo povo, investiram recentemente oceanos de dinheiro público em grandes eventos internacionais onde apenas e exclusivamente na arena do Maracanã, foram gastos a fortuna de 1.7 bilhões de reais, dinheiro mais do que suficiente para por exemplo recuperar todo o sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá e de sua bacia hidrográfica, beneficiando uma população de aproximadamente 1 milhão de pessoas.
No entanto a prioridade foi a tal Copa do Mundo, a mesma onde a seleção local foi arrasada pelo vexaminoso 7x1. Portanto, mentem descaradamente as autoridades brasileiras quando alegam falta de recursos. Simplesmente por um lado não há vontade política e por outro, não há mobilização, pressão por parte da sociedade. Destaco que esse mesmo Maracanã, pós período dos grandes eventos, já há alguns meses vive no abandono, sendo em vários momentos saqueado.
Outro aspecto intrinsicamente político-eleitoral é a atitude diferenciada que as prefeituras de uma forma geral dão ao crescimento urbano. Nas áreas onde o poder público municipal mira a obtenção de recursos financeiros por meio de impostos, toda a tecnologia a disposição, por meio de imagens de satélite, drones etc são disponibilizados visando arrecadar mais tributos. Em contrapartida em áreas mais pobres e superadensadas, fruto do crescimento urbano desordenado, onde o alvo é eleitoral, isto é, a obtenção de votos, aí o que predomina é a completa e mais generalizada desordem. Essa tem sido a regra.
Não tenho a menor pretensão de esgotar e tão pouco considerar exaurida a análise do atual quadro de metástase urbano-ambiental que eu acompanho de forma angustiada em meus vôos, onde não raramente os compartilho com a imprensa e representantes do poder público a cada nova administração que se apresenta. Resultado dessa equação escatológica que mistura características de fundo cultural, político, educacional e sócio-econômico, como biólogo vejo a destruição diária de patrimônios ambientais inestimáveis para uma cidade como o Rio de Janeiro que se vende como turística e como principal porta de entrada internacional da cidade onde nasci e continuo lutando pela recuperação e proteção do que ainda restou.
Por enquanto sobram boas intenções e faltam ações que de fato revertam a metástase que insistimos em alimentar.