Diante do mundo, diante do outro, depois de processos educacionais e experiências familiares, enfim, depois de inúmeras vivências relacionais, às vezes, os seres humanos se perguntam: o que posso saber?
Para Kant, esta era a primeira pergunta: o que posso saber? (Seguida de o que devo fazer e consequentemente, o que posso esperar?). Poucos têm este interesse. Quando a pergunta é feita, é a curiosidade, interesse gerado pela vontade de responder, de entender o significado do mundo, do outro, dos propósitos e contribuições individuais ao panorama humano.
O homem que pergunta o que pode saber, percebe sua curiosidade, percebe que ela é ampla, que não está amarrada, nem direcionada, mas que ele precisa se organizar para que a pergunta seja respondida. Ele sabe que método e organização se impõem e que as respostas se articulam no âmbito da ciência ou da transcendência - geralmente religiosa -, sabe que a pergunta se desdobra em perguntas sobre a origem, sobre para onde vamos, de onde viemos e o que somos. O que se pode saber - até ser respondido - abre infinitas possibilidades, requer cuidadosas imersões nos múltiplos existentes organizadores de respostas. O que se pode saber é contextualizado pelos referenciais possibilitadores desta mesma pergunta. Neste sentido, a pergunta amplia os contextos de curiosidade, ou os transforma em instrumentos, em alavancas de contingência, em utilitários, como por exemplo: o que posso saber para vencer na vida? Para ganhar dinheiro? Esta contingência é implícita, pois está subordinada às necessidades, e permite desenvolver esperteza, inteligência, habilidade comprometida com resultados. A própria curiosidade, logo atendida, é interrompida, desaparecendo, e jamais se coloca o que posso saber.
A curiosidade, o querer saber implica necessariamente em uma práxis - que lembra a questão kantiana do que devo fazer. Decorrente da curiosidade, decorrente das buscas e nelas ancorado, surge: o que devo fazer? Desdobramento este, coerente com o que se busca: o desejo de realizar o que se sabe.
A sociedade, sua organização econômica, canaliza saberes, comprometendo diversificações. Esta homogeneização estabelece regras e soluções de como viver, tão genéricas, que as especificidades individuais são comprometidas em prol de um conjunto definidor e determinante. Daí, nem sempre existe coerência, as vivências são fracionadas, o que se deve fazer é, normalmente, imposto por regras ou vantagens - e não decorrente do questionamento do que se pode saber -, e quando isto acontece, utilidade e resultado norteiam a resposta. Esforço, sacrifício, abnegação se impõem ao tropeçar no egoismo, no autoritarismo, limitando a liberdade de realização da coerência. São inúmeras as situações nas quais observamos esta incongruência: das atitudes individuais e cotidianas aos posicionamentos coletivos ou institucionalizados, das omissões em posicionar-se diante do que se sabe injusto, por exemplo, às opções pensadas e estrategicamente decididas, como quando um grupo decide abrir mão de algum de seus princípios em prol de algum contrato vantajoso. Questões éticas surgem. Certo, errado e adequações são questionadas, desde que fazer resulta sempre em criação de outras configurações que escapam aos seus próprios estruturantes.
A ética é fundamental, é o passo inicial para o outro ser considerado. Ela se torna regra esvaziada quando há desconsideração às individualidades que diferem das próprias prerrogativas antecipadamente colocadas. As contendas ou embates gerados por conveniências criam controles, esvaziam, criam expectativas e ansiedade. O perguntar e esperar (expectativa) já denunciam ter transformado curiosidade e ação em empreendimento, em desejo solucionador de diferenças e impossibilidades.
Para Kant, o dever, sua realização ética na esfera humana, era fundamental. Psicologicamente, o fundamental é não viver em função de resultados, metas e valores alienantes - ainda que aglutinadores de ordens estabelecidas.
Ser verdadeiro, isto é, estar no mundo percebendo-se com o outro, faz com que se conheça limites e possibilidades, percebendo assim, o que pode ser feito e consequentemente o que pode ser esperado. Tudo isto é uma vivência contínua e inteira. Quando alienado - robotizado, cooptado por ordens constituídas, desumanizado - nunca se sabe, salvo o ensinado pelos manuais, mídias, cartilhas e instituições. Elas também determinam o que se faz, instalando ringues, rinhas, cenários nos quais vencedores e perdedores sabem o que esperar.