Sexta-feira, 13 de novembro de 2015 em Paris. A superstição e a desgraça miserável, espicaçam-se. Os ataques de que a capital francesa foi alvo refletem-se em várias esferas da vida quotidiana, dos parisienses e do mundo. Com reverberações sociais, culturais, económicas e políticas, a violência e o impacto destes atos de terrorismo modificam a postura (e a esperança?) dos povos de todo o mundo. Pessoas. Paris. Paris, capital predileta de consumidores do segmento do luxo, exala incertezas, qual amor de perdição. O chão tremeu e continua movediço. A condição humana, chamem-se Morin e Arendt à conversa, é agora reflexionada. O livre arbítrio; o conflito entre a obediência à autoridade e a consciência pessoal - chame-se também Stanley Milgram - ou a natureza e a fé, são apenas alguns dos pontos que nos enevoam os horizontes. O consumo, como fenómeno inerentemente ligado à vida e à identidade dos indivíduos, é influenciado por questões mais profundas do que as dinâmicas económicas e mercadológicas locais e globais.
A aquisição de bens de luxo é definida como uma apropriação simbólica. Facto: nos últimos 19 meses, o mercado de luxo nunca sentiu um decréscimo de vendas tão acentuado como após os ataques em Paris - quatro pontos percentuais. Os investidores tremem e as marcas vêm o cenário cada vez mais negro. O ato de aquisição de bens é influenciado pelos contextos temporais e espaciais. Mas, mais do que isto, os mercados são influenciados pelos contornos sociais e humanos através dos quais estes se desenvolvem. Com os pilares humanos a serem postos em causa, revelará o consumo de luxo uma inconsciência social?
Ainda que o luxo revele, hoje, contornos mais simbólicos do que tangíveis, ainda se observa uma rotulação materialista a este setor. O tempo, a segurança, a saúde, o bem-estar físico e psicológico são, para uma grande parte dos consumidores deste setor, o que se define como luxo. Por outro lado, qualquer que seja o ato de consumo poderá ser tido como supérfluo e desnecessário num tempo em que a existência e a segurança dos indivíduos são postas em causa, todos os dias. Há males superiores, há preocupações que fazem estremecer as bases humanas e sociais. Porém, existe uma dinâmica que não poderá ser quebrada em favor de permanecer a ordem natural da existência: a identidade individual e coletiva, a hierarquia social, e o bem-estar psicológico e físico dos indivíduos, depende dos bens que estes adquirem.
Sempre assim o foi, desde o Paleolítico, e sempre assim o será. Através da morte ou da vida, através de castelos ou de banquetes infindáveis, de vestimentas ornamentadas até ao último detalhe, como ensina Belk: nós somos o conjunto das coisas que possuímos. Pensemos agora no que está realmente em cima da mesa: o que possuímos define a nossa identidade, mas o que adquirimos para além do estritamente necessário serve qual propósito? O necessário e o desnecessário, o primordial e o acessório. Qual é a linha que define um ato de caráter humano e um de irresponsabilidade social e moral?
Ora, o que é necessário observar é a importância que esta questão adquire de forma particular e social. Trata-se de priorizar os problemas coletivos acima dos problemas de cada um. Se o mundo e as sociedades atuais se encontram imersos em crises de escala global qual é a relevância de satisfazer as nossas próprias necessidades ou, se temos direito a eles, os nossos caprichos? Não pode ser. Não é bem visto nem aceite socialmente. Enquanto as novas dinâmicas forem dirigidas pela responsabilidade moral, pela consciência social e cívica, o consumo de produtos de luxo vai decrescer. Porque nos construímos a nós, aos olhos dos outros. E aos olhos dos outros devemos investir em voluntariado, devemos doar e investir no altruísmo, devemos ser melhores e fazer melhor. Só que este crescimento não deve ser feito para os olhos e o julgamento dos outros. Como cartazes publicitários. Deve ser um luxo ao qual devemos ceder: amor de perdição. É uma necessidade. Se não o é, deveria passar a ser. Milgram e a obediência à autoridade. O luxo e a obediência à coletividade. Somos mais “para” os outros do que “para” nós, mas pode ser que hoje se alterem as ordens e passemos a ser mais “pelos” outros do que “por” nós próprios.