É o papel da Psicologia da Arte fomentar a necessidade de confrontar o desejo com o preferível e o estranho. Será mesmo importante destacar a necessidade de passar pelo estranho para o reconhecimento da própria identidade. Ricoeur refere na sua obra Amor e justiça que em ética, como em hermenêutica, será sempre a partir de obras que nos são estranhas que poderemos reapropriarmo-nos de nós mesmos. O próprio processo de reapropriação faz-se a partir de uma experiência de estranheza, do ser estranho a mim próprio, mas que eu vou tornando meu familiar próximo. Assim, a Psicologia da Arte que pretende aprofundar o auto-conhecimento, que passa pelo crivo da norma, que promove a liberdade, é uma escola dos sentidos, tem que passar pelo confronto com o estranho, pois a Arte para além de levar à descoberta de conflitos, deverá igualmente permitir encontrar uma saída para os impasses e dilemas que a vida apresenta. Deste modo, em termos morais, ao promovermos a liberdade e esse confronto com o estranho, estaremos igualmente a promover a liberdade como autolegislação, isto é, autonomia criativa.
O Fons Vitae permite este confronto e por conseguinte uma re-apropriação da semântica incorporada no título: Fonte da Vida. A hermenêutica é o método precioso para a psicologia da Arte ajudar na arte de saber ser e estar nesta nossa contemporaneidade onde tudo coexiste numa harmonia híbrida de opostos: o século XXI. A interpretação / avaliação deste mundo faz-se com e através da Palavra.
E que relação têm os portuenses com o quadro mais misterioso de Portugal, que se encontra no recém inaugurado Museu da Misericórdia do Porto, à Rua das Flores e que é um óleo sobre madeira de carvalho a datar cerca de 1520? Será que possuem consciência de que este quadro é uma obra de arte única pela sua simbologia polémica e pela sua liberdade de expressão?
Para já o quadro inspirou a enigmática escultura de Rui Chafes, integrada na fachada do edifício, abrindo-o, de imediato à arte contemporânea. Percebemos, assim e facilmente que a memória é uma construção. Mais do que uma função mecânica de pura reprodução, a memória é uma função simbólica. Daí que Delacroix expresse este pensamento in Les Souvenirs “ a lembrança não é a imagem mas um juízo sobre a imagem no tempo”. Ex: Relembrar a Mona Lisa é avaliá-la e associá-la na minha contemporaneidade…Mas o Fons Vitae não tendo feito parte da memória dos portuenses, porque era raramente visto e parte grande da população do Porto nunca o viu, até porque se tratava de um quadro visitável em pequenos grupos,; agora com a mudança geográfica de espaço, dentro do MMIPO, a sua construção significativa é contemporânea, renascida e plural nas suas interpretações.
. Neste caso urge uma hermenêutica do Fons vitae, uma interpretação profunda da sua semântica, das suas formas de conteúdo, das suas cores e consequentemente uma co-criação por parte dos portuenses, privilegiados por possuírem este património.
Assim, a Psicologia da Arte que pretende aprofundar o auto-conhecimento, que passa pelo crivo da norma, que promove a liberdade, tem que passar pelo confronto com o estranho, pois a Arte para além de levar à descoberta de conflitos, deverá igualmente permitir encontrar uma saída para os impasses e dilemas que a vida apresenta. Deste modo, em termos morais, ao promovermos a liberdade e esse confronto com o estranho, estaremos igualmente a promover a liberdade como auto-legislação, isto é, autonomia criativa. E estranho é depararmo-nos com um quadro que faz da fonte da vida o sangue de Cristo; estranho é vermos nesse quadro as mãos de um membro do clero, um bispo, sem vida, completamente sem sangue, pálidas, brancas de cor! Estranho é perceber o espanto da figura do rei D. Manuel I que abre as suas mãos aos céus como se os interrogasse! E como é que o leitor se apropria destes factos e faz as suas leituras?
O título do quadro( Fonte da vida) condiciona de imediato a sua leitura, avaliação e interpretação, pois podemos legenda-lo como a “ Morte do terreno” por exemplo, ou “ Sangue da salvação”…a linguagem cria realidades. Todo o sujeito é singular, possui a sua história de vida, interesses particulares e é através da é através da linguagem que se irá exprimir, representar o seu modo de ser e estar-no-mundo.
Indo ainda mais longe, e como conclui o psicólogo do desenvolvimento Vygotsky (1993:131) “As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento mas também na evolução histórica da consciência como um todo”.
Quando num museu vemos os quadros legendados, ou numa exposição ao ar livre percebemos que as esculturas têm título…deparamos com os mais variados Graffittis…( ex: Muro de Berlim) ou ainda a obra prima de arquitectura da Bibliotheca Alexandrina envolta de hieróglifos, vamos lendo a intencionalidade dos autores.
Podemos, pois, concluir relativamente a este primeiro ponto, que a palavra, considerada produto ideológico, carrega em si lutas, conflitos e até mesmo o peso das determinações sociais que a produziram, razão pela qual o sentido da palavra ou do discurso, de forma mais ampla, somente poderá ser compreendido se se levar em conta tanto os sujeitos, quanto o contexto dialógico, o momento socio-histórico e as formações social, ideológica e discursiva dos interlocutores.
O homem não se sente isolado no cosmos, está aberto para um mundo que, graças ao símbolo, se torna familiar. Por outro lado, as valências cosmológicas do simbolismo permitem-lhe sair da situação subjectiva e reconhecer a objectividade das suas experiências pessoais. Por outras palavras, quem compreende um símbolo não só se abre para o mundo objectivo como também consegue sair da sua situação particular e ter acesso à compreensão do universal.
Neste sentido, cabe ao verdadeiro artista ser um construtor de pontes, deverá promover encontros significativos. ”. Este confronto com os “Outros” ajudará o homem ocidental ao auto-conhecimento. O esforço para compreender os modos de pensamento estranhos à tradição racionalista ocidental; isto é, tentar decifrar a significação dos símbolos, o peso de uma herança judaico-cristã, traduz-se já num enriquecimento da consciência; traduz-se já num movimento dialéctico que vai da razão abstracta à razão sensível (Maffesoli, 1996), que acompanha a tensão dos próprios símbolos.
E por falar em símbolos, não quero deixar de referir o “ Ovo” cuja simbólica remete para nascimento e fonte de vida e de colocar a seguinte pergunta: --Que relações poderão existir ente o Ovo do Sagrado Feminino e o Fons Vitae?
Será, pois, uma possibilidade infinita de ser- e-estar-no-mundo que há que promover através da Psicologia da Arte, que há que rever como tarefa hermenêutico-ética, onde a imaginação tem o seu lugar como pedagogia da alteridade.
Contemplar o Fons vitae é um dever dos portuenses, dos portugueses. Interpretá.lo, um prazer!
Visitem o MMIPO!