Ouço os murmúrios do mundo. A voz da minha vizinha de apartamento que diz pra outra, deixa a menina aqui, estou fazendo nêga maluca, deixa ela aqui, estão tão entretidas. A moça do salão que conta que vai penhorar as joias da mãe para pagar os remédios, não tem jeito, ela diz, mulher pobre não pode ser vaidosa e ri baixinho e envergonhada. Minha mãe bordando ao meu lado, que me ensina com paciência o que aprendeu com a mãe e com a avó, a que se chamava Lélia também. Enquanto borda conta histórias da família, namoros, traições, partos, abortos, as biografias anônimas das mulheres comuns.
E diz frases como estas: a unha comprida é quase um instrumento, olha só como funciona, me mostra alinhando e dobrando a bainha do pano de prato, ou: o ferro de passar é o melhor amigo de uma costureira, conserta qualquer ruga, qualquer erro também. São os murmúrios das mulheres comuns que tecem as rotinas e que embalam o mundo. Que ficam em casa com as crianças, que tecem e bordam, que não decidem os rumos da humanidade, que quase nunca são ouvidas, que não são consultadas.
Ouço seus murmúrios, parece um rio subterrâneo, todas falam mais baixo enquanto obram, e enquanto bordo sei que uma outra ordem nos protege, nos irmana. O ruído apaziguador da máquina de costura, o cheiro das linhas, dos retalhos, a caixa de costura redonda e a tesoura preta. Silêncios, segredos, sussurros, cantigas, ponto cruz, cordoné, pé da galinha, sombra, bastidor, caseadinho, cambraia, cetim, percal, etamine, organdi, uma linguagem universal, a dos murmúrios do mundo.
A linguagem das mulheres comuns. Da vida simples, da vida pequena.