Se eu fosse um ET e entrasse hoje no Facebook, ao ler as postagens da timeline, ia chegar a uma conclusão muito simples: no mundo em que vivemos hoje sexo é sinônimo de violência e estupro, só os homens e mulheres gays namoram e que esta prática, longe de ser saudável e lúdica, é unicamente arriscada, necessariamente perigosa, que leva à morte, e que, por conta disto, pode estar em vias de extinção.
A onda do denuncismo, do testemunho e do chororô quando se fala da sexualidade associada à violência e ao estupro é, para mim, sintoma de coisas muito simples: 1- de que as pessoas não estão trepando, 2- de que as pessoas estão trepando muito mal, e 3- de que as pessoas estão com preguiça de trepar.
Tempos nefastos estes.
Eu, ET e leitora do Facebook e de outras redes sociais, desconheceria, desta maneira, a história dos tempos em que o sexo ou o discurso sobre ele demonstraria que esta é uma prática lúdica, afetuosa, prazerosa, que promove encontros profundos e transformadores, que aproxima as pessoas, que é relaxante, que a sacanagem é sempre transgressora, que os corpos são divertidos e que a sexualidade é uma maneira de estar no mundo.
Já falei mais de uma vez neste espaço de que esta associação entre violência e sexualidade termina por continuar a vitimizar as mulheres, que muitas só conseguem fazer este tipo de associação e que isto serve a alguém de muitas maneiras, mantendo-as mergulhadas num caldo de cultura cheio de auto piedade, culpas, vergonhas e que isto possa ser, para muitas delas, passivamente, sua única maneira de gozar, repetindo estratégias masoquistas muito familiares à cultura feminina com as quais sempre tiveram ganhos reais que as valoriza através da cultura do sacrifício e do sofrimento. As denúncias sobre abusos, moléstias e violações são as únicas que aparecem nestas páginas, numa lógica simples de que todos os homens são violadores potenciais e de que todas as mulheres são, incondicionalmente, vítimas passivas. Soa qualquer coisa medieval, muito antiga, como se não tivéssemos passado pela revolução sexual e tudo o que ela significou de avanço e libertação na vida de todos nós.
Eu, a macaca-velha, vou repetir ao meu avatar-ET-leitora curiosa, o que já afirmei em alguns momentos: que não gosto da cultura da vitimização das mulheres, que ela serve a interesses que não são exatamente os de muitas mulheres, porque vitimizadas elas permanecem como cidadãs de segunda classe, passivas, defeituosas, erradas. Não gosto do tanto que algumas mulheres se lambuzam de prazer nesta condição de tristeza sem saída, fazendo coro junto às que santificam e supervalorizam a sexualidade sempre relacionada à maternidade e às que decretaram que todos os homens do mundo ou são ou uns agressores natos ou uns frouxos sem saída.
Esta assepsia politicamente correta que não nos deixa falar sobre a sexualidade sem hipocrisia, que nos proíbe veladamente falar do sexo de uma forma divertida e engraçada, e obrigatoriamente de maneira politizada e institucionalizada está me dando nos nervos. Pergunto-me se a Dilmona ia apoiar uma campanha que sugerisse motes do tipo, que eu mereço ser bem amada, que eu mereço ser bem comida, ou a criação de um vagão de metrô onde um grande surubão fosse permitido no horário que voltamos pra casa cansadas, e que pudéssemos dar, assim, uma grande relaxada antes da fazer a janta e encarar o terceiro turno de tarefas exaustivas. É claro que estou debochando, debochar e exagerar é também uma antiga prática erótica, já que o erotismo e o riso sempre andaram lépidos e faceiros de mãos dadas ao longo da história do mundo. E sobre isto eu-ET, não teria condições de compreender: que nem sempre os tempos foram tão broxas, caretas e sem graça.
Faço fisioterapia todos os dias numa clínica perto da minha casa. Estou na fase de mergulhar o tornozelo que operei por conta de uma torção, num tanque pequeno onde fluxos de água quente trabalham a circulação do edema. A técnica se chama turbilhão. Fico ali uma meia hora com as pernocas brancas e gordas imersas e pensando bobagens. Porque numa maca que fica a alguns passos do tanque um japonês grande e forte fica deitado exposto aos raios infravermelhos por conta de uma inflamação no joelho, coisas de velhos com as juntas comprometidas. Desde que comecei a frequentar o turbilhão espio febril as coxas do japonês, que tem uma cara de cachorro triste e cabelos longos e grisalhos. Imagino que ele é um samurai cansado e poderoso e que acaricia a coxa da perna avariada enquanto relaxa na maca. E que sou uma gueixa com os pezinhos minúsculos fazendo curas muito antigas nas águas revoltas de um ofurô de carvalho ou cedro-rosa. Assim são os escritores, seres dementes e por demais fantasiosos.
Numa sexta-feira chuvosa, num fim de tarde ele me convidou com singeleza e olhos incandescentes: – Ô, moça bonita, hoje é sexta-feira, bora tomar um chops e comer um pastel!
Ai, o turbilhão outra vez! E mais não conto, que a imaginação é irmã gêmea do bom sexo, e disto também estamos, tristemente esquecidos.