No Gerês há uma pequena aldeia que fica na encosta de um monte, a uns 700 metros de altitude. Um lugar onde o tempo é outro e as pessoas também. Um lugar onde ainda se faz o pão "como Deus manda".
Foi na velha arrecadação da casa da D. Maria, de granito centenário e traves de carvalho escurecidas pelo fumo do fumeiro que eu vi pela primeira vez um forno de pedra pronto para receber a massa benzida. Estava branco por dentro, sinal de que atingira a temperatura certa para cozer o pão, o que demora entre uma a duas horas, sempre a consumir lenha. Agora já lá existe um moinho eléctrico, para transformar os cereais em farinha, mas anos antes, os poucos habitantes da aldeia revezavam-se no uso do moinho centenário de granito que fica a várias centenas de metros de distância, bem no fundo da aldeia. Fiz esse caminho íngreme muitas vezes, algumas delas no Inverno quando os lameiros e a mata nos confins da aldeia se tornam sombrios e lúgrubes e a névoa húmida envolve cada passo que damos. E enquanto caminhava, saltando de pedra em pedra, evitando os tapetes de musgo fino e macio que ao menor descuido nos fazem estatelar no chão, tentava imaginar o sacrifício físico e a solidão que a tarefa da moagem exigia nesses tempos passados mas ainda tão presentes na memória de quem os viveu.
Hoje em dia, nas cidades, há um Pão Quente a cada virar de esquina e nem nos damos conta do luxo que é poder apontar o dedo à variedade exposta e enfrentar o dilema da escolha. Pão de sementes? Pão de passas? Pão nórdico, integral, de cevada ou de centeio? O pão nosso de cada dia deixou de ser sagrado mas ainda há esperança.
M. F. K. Fisher escreveu:
" Há mais do que a comunhão dos nossos corpos quando o pão é partido e o vinho bebido."
Na minha horta não crescem cereais e no fundo da minha "aldeia" em vez de um moinho há um pão quente, estrategicamente situado e pelo qual dou graças todos os dias. Mas ainda assim faço o meu pão. E de cada vez que o faço, entro em comunhão com a transcendência do ritual em si. Como se todo o sentimento posto desde há milénios em cada pedaço de massa, se materializasse no cheiro de um pão caseiro que tiro cuidadosamente do forno.
E na correnteza veloz dos dias modernos consigo encontrar de novo a sacralidade das coisas simples. O aroma quente e insubstituível de um pão amassado e cozido em casa. Saboreado como se fosse uma oferenda sagrada.