Freud, Nietzsche, Barthes e tantos outros viam a linguagem como algo perigoso. O ato falho, a transvaloração dos valores, a semiótica, enfim, os significados que seguem, pulam e espirram do falado, deixam claro o perigo que existe na linguagem como expressão do que se deseja comunicar.
Comunicar é expressar. Comunicação pode ter dois aspectos: configuração expressiva do que se vivencia ou artefato criado para veicular o que não se consegue expressar, seja pela distância física, seja pelos parâmetros estabelecidos para comunicação. No segundo caso - como artefato - comunicação é a roupagem, consequentemente, é esconderijo do que precisa ser revelado.
Comunicar é neutralizar distâncias, mesmo que delas se utilizando. A neutralização de impedimentos requer construções, gera projetos, intenções.
Expressar o que se vivencia é reproduzir pensamentos e percepções através da linguagem (gestos, desenhos, pinturas, falas e escritos). Toda reprodução é uma cópia, tanto quanto, originais podem ser idênticos ao copiado. O que os diferencia escapa à sua expressão. Quando Heráclito fala que tudo é a realização de contrários e pensa no movimento de atirar com arco e flecha, onde o movimento para trás era o que permitia a propulsão da flecha, ele fala da direção buscada como contrária ao movimento realizado. O movimento para trás, apoio no arco, é o que permite o disparo: o movimento da flecha. Quanto maior a oposição, maior a realização, ou ainda, quanto maior organização do que é expresso através das palavras, por exemplo, maior a coerência das mesmas.
A comunicação é sempre engendrada, porém, é preciso lembrar que, engendrar, construir é disparar, fazer surgir. Devido às variáveis intervenientes que permitem expressá-lo, nem sempre o espontâneo é o legítimo. Vivenciar a intimidade, o encontro com o que está diante, dispensa representações, dispensa explicações, não tem distância a ser preenchida, é percebido sem prolongamentos de pensamentos, sem palavras, sem desenhos e gestos.
Quando a comunicação se refere ao que já passou ou ao que se imagina poder acontecer, a memória - a volta para o passado - cria o devir expresso na comunicação. Neste sentido, a comunicação é sempre denotativa. Por isso ela se torna perigosa, enganosa e demagógica. Relacionada ao presente, ela é descritiva, pleonástica, ultrapassa sua função denotativa. Ser onomatopaica lhe confere a dimensão de expressão instantânea de vivência e é a partir disto que se constroi como sinal, signos referenciados e assim a Babel está criada, seja no universo das línguas, seja na escala individualizada das expressões vivenciais significativas.
Ao apreender e descrever os significados do pensamento - prolongamento das percepções - são possibilitados resgastes vivenciais para que as narrativas, as histórias sejam compartilhadas. Assim, comunicar é criar parâmetros, conceitos e contextos que possibilitem encontros ou escondam desencontros. As narrativas são verdadeiras quanto mais mentiras sejam neutralizadas, quanto mais se expressa e menos se comunica, no sentido de que elas são contadas independente de quem as ouve. Relatos são descrições ou relatos são instrumentos para atingir e cooptar o outro. Para comunicar é preciso estar integrado com o comunicado, quase que transformar-se na comunicação. Só assim ela deixa de ser uma ponte, um artefato e passa a unir o separado, o distante.
Nas artes, nas ciências e filosofias, quando conceitos e limites metodológicos são coerentemente estabelecidos e estruturados, quando pensamentos continuam percepções contextualizadas, quando existe integração entre o comunicador e o que ele expressa, a comunicação revela.