Dickens levou toda uma sociedade à reflexão por meio de estórias de simples garotos, carentes e vítimas de um sistema deficiente. Com sua literatura, ele não somente abriu caminhos para a crítica social – por meio de seus próprios traumas – como reencontrou sua infância perdida, criando a partir dela muitas outras infâncias com as quais pôde expressar seus medos, segredos e esperanças de menino.
Quão extraordinário e poderoso é o dia em que a infância se vai? O dia em que o menino dá boas-vindas ao homem? Para Charles Dickens esse dia foi tão determinante que o levou a criar grande parte de suas personagens como sendo verdadeiras personificações deste sentimento. E quase toda a sua obra faz referência a essa circunstância que se relaciona com todas as outras variadas conjunturas da juventude dramática do escritor.
Oliver Twist, David Copperfield, Nicholas Nickleby, Philip Pirrip – o que estes personagens de Charles Dickens têm em comum? São jovens que passam por adversidades, sendo obrigados a, precocemente, ir ao encontro dos encargos da difícil e impiedosa vida adulta. Eles são os alteregos de Dickens, uma expressão da personalidade do autor.
Dickens é considerado, ao mesmo tempo, realista e romântico. Realista porque trata de fatos da época e sociedade em que vive, de maneira incisiva. Sua família era economicamente estável, o que lhe proporcionou um excelente nível de educação. Mas, seu pai perdeu o controle das dívidas e foi preso, obrigando sua família a mudar-se para a periferia de Londres. Coube ao pequeno Charles sustentá-la aos dez anos, trabalhando numa fábrica de graxa para sapatos. Precocemente, Charles Dickens viu sua infância ser violada e se esvair como névoa para dar lugar às responsabilidades adultas.
Aconteceu que, anos após a prisão de seu pai, sua família herdou uma herança – possibilitando o pagamento das dívidas – o que trouxe novamente uma vida financeiramente estável. Porém, a mãe de Dickens recusou-se a tirá-lo do emprego na fábrica. Este fato amputou, definitivamente, a infância do escritor que, anos mais tarde, afirmaria jamais perdoar sua mãe. Com o tempo, e sendo obrigado a trabalhar, Dickens viu de perto uma sociedade inglesa sádica e corrupta, falha em todas as assistências ao trabalho operário. Juntou a isso o sofrimento de sua família, endividada, presa e humilhada por um sistema carcerário injusto. Dickens começa a escrever, criando personagens que passaram por tais situações ‒ personagens jovens, fortes, que falariam em seu lugar.
Temas como a pobreza, um sistema educacional deficiente, um sistema jurídico corrompido, a falta de auxílio à orfandade de uma Londres arbitrária, com leis débeis, que fechavam os olhos à exploração infantil e às más condições de trabalho, fazem da obra de Dickens uma das mais ácidas em criticar a sociedade da era vitoriana, apoiando-se em sua própria realidade.
Suas personagens são formas e vozes dessas suas críticas. Dickens revelou-se um inconformista que conquistou o público burguês – o que conseguiu apenas porque foi inteligente e dominou seu ímpeto revolucionário. Sabia que não era função dele incitar um sentimento de frustração, e sim de suas personagens. Foi o caso de sua primeira obra crítica, The Pickwick Papers, e depois de Oliver Twist, Nicholas Nickleby, A Christmas Carol, David Copperfield, Black House ou Great Expectations, entre outros.
Mas, Dickens também é romântico, pois apesar de ressaltar tantas dificuldades, suas personagens sempre tinham um encontro feliz com o destino que os redimia das maneiras mais improváveis.
Nascido em 1812, fica atrás apenas de Shakespeare em número de obras reproduzidas, seja para teatro, cinema ou televisão. É considerado por muitos o maior romancista da língua inglesa de todos os tempos. Suas novelas foram marcantes para uma época, as quais não apenas formaram opiniões, mas acrescentaram à língua palavras e à sociedade formas de pensar o mundo. A delicadeza de sua pena romântica contrastou com a fúria de uma alma inconformada, resultando numa das obras mais aclamadas da literatura mundial.