A Condessa de Castiglione foi uma criatura rara: além de bela e inteligente, era uma narcisista com acesso ilimitado a uma câmara. Entre 1856 e 1895, ela já tinha uma coleção de mais de 400 fotografias de si mesma.
Que boa parte dos seres humanos é narcisista, não há dúvida. E há quem adore colecionar centenas de fotografias de si mesmo durante a vida. Mas em pleno século 19 isso não era considerado tão comum assim.
Virginia Oldoini nasceu de uma família nobre de Florença em 1837. Aos 17 (já possuindo um caráter inquieto e imaginativo), entrou em um casamento arranjado e sem amor com o Conde de Castiglione, simplesmente por interesse financeiro. Além de levar o marido à falência com suas extravagâncias, ela o traia descaradamente. Os dois se separaram em 1857 e a condessa passou a maior parte do resto de sua vida com seu filho, Giorgio, e seduzindo os homens mais importantes de Paris.
Considerada a mulher mais bonita da época, foi enviada a Paris em 1856 para reforçar o interesse de Napoleão III na causa da unificação italiana. Instruída por seu primo, o ministro Camillo Benso, conde de Cavour, ela causou furor na corte francesa e rapidamente se tornou amante do Imperador.
Retornou a Paris em 1861 e mais uma vez se tornou uma figura fascinante e influente da sociedade, formando inúmeras ligações com aristocratas notáveis, financeiros e políticos, cultivando a imagem de ‘femme fatale’. Seus amantes diziam que ela aparecia nos encontros “como uma deusa que descia das nuvens”. Seu maior desejo era ser admirada como se fosse uma santa. A Princesa Paulina de Metternich, logo que a viu, acreditou que Virginia era a personificação de Vênus: “Ela parecia descer do Olimpo com seus cabelos maravilhosos, cintura de ninfa e uma pele que mais lembrava um mármore rosado”. Mas ao conhecê-la pessoalmente, a Princesa acrescentou: “Depois de alguns instantes, ela começou a me dar nos nervos”.
Fascinada pela própria beleza, a condessa tentava capturar suas facetas e recriá-las através da fotografia. Em julho de 1856 visitou o estúdio de Mayer Pierson, um dos maiores estúdios fotográficos do Segundo Império. Ela e Pierre-Louis Pierson criaram mais de 400 retratos concentrados em três períodos distintos: sua entrada triunfal na sociedade francesa; sua reentrada na vida parisiense e o final de sua vida. Ela criou identidades alternativas para si mesma.
Foi ela quem assumiu o papel de diretora de arte, até mesmo ao ponto de escolher o ângulo da câmara. Ela também deu indicações precisas sobre o alargamento e redesenho de suas imagens, a fim de transformar os documentos fotográficos em pinturas imaginárias. Seus retratos estão entre os mais belos do gênero. Registram a condessa com seus vestidos extravagantes e figurinos de saraus e bailes de máscaras, com vestes que usava em teatros, óperas ou de sua própria imaginação. Sua vaidade era tão famosa quanto sua beleza. Ela não gostava de conversar com outras mulheres e enviava seus retratos apenas aos amantes e admiradores.
É difícil apontar quando o sentido de maldade narcisista da condessa deu lugar à loucura. Quando o ex-marido tentou levar seu filho para longe, ela lhe enviou um de seus retratos onde aparecia com uma faca na mão e os olhos ameaçadores, com os dizeres no verso da fotografia: “Ela tem um olhar assassino e uma faca pingando sangue”. O conde não pensou duas vezes e manteve o filho Giorgio com a mãe. O garoto se tornou a criança mais fotografada do século, pois estava sempre presente nos ensaios. Esses trabalhos foram vistos como precursores para fotografias posteriores.
Com a queda do Segundo Império, em 1870, a condessa passou a ter uma vida mais reclusa. Saía de seu apartamento apenas à noite, coberta por véus. Pouco antes de sua morte a condessa voltou a se encontrar com Pierson para realizarem suas últimas fotos. Virginia já demonstrava instabilidade mental e perda do senso crítico. Acreditava que após tantos anos ainda poderia ser objeto de desejo por seus antigos amantes. Ela nunca aceitara o fato de que estava envelhecendo. Combinara com Pierson que suas obras seriam exibidas na Exposição Universal de 1900, em uma retrospectiva intitulada A mulher mais bonita do século. Isso não chegou a acontecer, pois a Condessa de Castiglione morreu em 28 de novembro de 1899, aos 62 anos.
Após sua morte, sua reputação como mulher misteriosa e de beleza divina se manteve, em grande parte, graças ao legado de sua obra fotográfica. Sua vida foi alvo de admiração, curiosidade e também da obsessão de Robert de Montesquieu, crítico e escritor que passou cerca de treze anos escrevendo sua biografia La Divina Comtesse, publicada em 1913, que reuniu cerca de 275 fotografias, as quais foram adquiridas pelo Metropolitan Museum em 1975. Sua vida também tem sido alvo de inúmeras biografias posteriores e foi tema de um filme de 1955, La Castiglione, estrelado por Yvonne De Carlo.
Um de seus retratos, considerado o mais estranho, é o que parece ter sido tirado por ela mesma, mostrando seus pés, com uma visão de cima para baixo. Ela dizia que este retrato era uma forma de experiência fora-do-corpo. Parecia estar desesperada para saber como os outros a contemplavam.
Um espetáculo estranho e que levanta mais perguntas do que respostas: foi a condessa tirando sarro de si mesma, ou ela não sabia realmente o quanto estranho seu projeto foi? Seria uma prévia do que viria a ser o surrealismo, anos depois? Uma coisa é clara: a condessa era sua melhor audiência e ela teria adorado este show.