Que as nossas relações são líquidas, Bauman já nos disse. A qualidade dos nossos relacionamentos é ruim, também parece que todos já sabemos. Mas como se dá tudo isso na nossa vida diária? O trivial líquido é a percepção de como nossos relacionamentos estão cada dia mais frágeis.
O trivial líquido da vida aqui são as relações comuns que temos diariamente. São aquelas relações com as pessoas que vamos encontrando em meio ao inchaço das cidades. No ambiente de trabalho, nas filas de banco, enquanto esperamos exaustivamente em salas de espera a chamada da nossa senha, todo esse tipo de contato com outros que a vida nas cidades nos obriga.
Isso se tornou em nós uma obrigação de simpatia e civilidade para além do necessário. E, ao mesmo tempo, ampliou a visão sobre a solidão em que vivem os homens, mesmo quando cercados de tanta gente e entretenimento. Não é pouco comum encontrarmos alguém em uma dessas filas e minutos depois estarmos sabendo com o quê ela trabalha, onde mora e as últimas dificuldades que têm enfrentado.
Essas conversas comuns que temos diariamente com desconhecidos parecem viciar todas as pessoas em relações rápidas, em que a única obrigação é um pouco de atenção e dois dedos de conversa – aquela coisa que exige pouca reciprocidade. No trivial líquido da vida nossas relações, que deveriam ser duradouras com aqueles mais próximos de nós, ficam condicionadas aos interesses de momento.
É claro que nisso não podemos desprezar a agitação da vida urbana. O tempo se torna também determinante nos relacionamentos – em todos eles – como uma espécie de dilema: ou se tem tempo para a família, ou para os amigos, ou para o parceiro…E as chamadas pontes (elos) que deveriam ser construídas nesses relacionamentos tornam-se fracas e, quase sempre, irão desmoronar.
Não são incomuns, assim, tantas pessoas com problemas de relacionamento na atualidade. Essa relação de estranheza que tanta gente diz sentir por não conseguir adequar-se a essa espécie de rapidez com que se formam e desformam os relacionamentos. Já não se gasta tempo com o outro – é rápido: se algo a oferecer interessa então tem-se ali uma relação, senão logo se descarta aquela pessoa para ir em busca de outras mais interessantes.
Nessa rapidez com que tudo se forma e desforma não costumamos parar e refletir quanta gente, que antes se relacionava conosco, desapareceu. Parece inacreditável o número de pessoas que chegaram e partiram, e tantas vezes nem nos demos conta. Há uma fragilidade generalizada nos relacionamentos.
O avanço das redes sociais também não pode ser esquecido como fator a somar nisso, em suma, a maioria das coisas que o homem pós-moderno faz depende muito pouco de relacionar-se e muito mais da rapidez com que ele fará aquilo, se um relacionamento colabora para que algo seja feito mais rápido então, momentaneamente, convém tê-lo. E isso infelizmente está em todos os lugares.
Uma das grandes questões que provam esse trivial líquido da vida é a pergunta: por que os homens não se ajudam. Quantos dos nossos amigos – atuais – estão cercados de problemas, conflitos, e somos incapazes de ajudá-los. Não há nessas relações nenhum sentido de alteridade, apenas de proveito. Aproveite algo de mim e eu aproveito algo de você. Apenas isto. E isso com certeza reflete em nosso mundo, na maneira como lidamos com os recursos que o mundo coloca a nossa disposição. É a lógica do proveito.
Se pudéssemos falar em alguma espécie de salvação para as relações humanas com certeza seria desacelerar o modo como lidamos com o outro. Parar. E sair desse processo de insensibilidade e invisibilidade em relação aos outros, para enxergá-los não como objeto de proveito, mas como uma pessoa que também sente exatamente como nós sentimos.
Somente quando o homem se dá conta da solidão aterrorizadora em que vivemos nessa época, ele é capaz de pensar no outro tendo em consideração as mesmas coisas quando pensa em si mesmo. Em verdade, longe estão os bons relacionamentos de ser algo como uma troca de civilidade em uma fila qualquer enquanto esperamos um painel chamar a nossa senha, ou uma cerveja no final da semana com os colegas de trabalho.
A vida do homem precisa de muito mais que isso para ser o que se poderia chamar de vida boa, saudável ou de alguma qualidade, este último a depender dos critérios de cada um.
Se não há felicidade nos relacionamentos em muito se deve ao fato de não podermos ver o outro como alguém que não é somente um objeto de satisfação, mas um todo a ser descoberto com qualidades, defeitos, outras cores muito diferentes das nossas que, quando misturadas, iluminam, geram beleza e toda espécie de aprendizado. Talvez isso seja o que poderíamos chamar de trivial sólido da vida, sobre o qual poderíamos construir os bons relacionamentos.