A imagem de uma esfera armilar na sua bandeira é ainda hoje uns dos emblemas nacionais mais representativos da história da expansão portuguesa desde o reinado de D. Manuel I (1495-1521). Há quase trinta anos que Ana Maria Alves tentou procurar essa linguagem perdida no seu livro Iconologia do poder real no período manuelino: a procura de uma linguagem perdida (Lisboa, Impr. Nacional-Casa da Moeda, 1985). Poucos países têm usado tão manifestamente a sua história como fez Portugal. Além dos habituais nomes das ruas, avenidas, praças, jardins, pontes e outros espaços públicos que vemos em quaisquer cidades, dificilmente outro país do mundo tem aproveitado o seu passado para construir a sua iconografia e representação urbana como fez este surpreendente povo atlântico. Portugal não é só um país vinhateiro, é muito mais do que isso, e muito mais atrativo.
As esferas armilares inundam todo o território nacional, sobretudo perto da costa, de Viana do Castelo até Vila Real de Santo António, de Porto ao Algarve. Na capital, Lisboa, o observador atento encontra esferas por todos os lados, nos lugares mais inesperados, de Belém até ao Parque das Nações, da Praça do Comércio até Campo Grande. Além da conhecida cortesia dos seus habitantes, a primeira coisa que o visitante curioso encontra em Portugal não são os pastéis de nata, nem o vinho verde, nem o delicioso bacalhau, mas a esfera armilar e mais mil e uma referências simbólicas ao seu passado descobridor e expansionista.
Num sentido mais técnico, as esferas armilares são instrumentos astronômicos conhecidos desde a Antiguidade desenhados para oferecer uma representação à escala do sistema solar. Estes sofisticados dispositivos, com mais ou menos elementos, formam um esqueleto circular composto por um globo terrestre no centro e por uma série de armilas ou anéis concêntricos graduados ao seu redor. As armilas que compõem a esfera estão articuladas nos pólos. No interior da armação destaca a Terra imóvel como eixo da esfera, de acordo com as teorias geocêntricas de Ptolomeu, os movimentos aparentes das estrelas e dos planetas, a eclíptica e os círculos principais, ou seja, o Equador, os meridianos, os pólos e os trópicos. A sua natureza demonstrativa tornou as esferas armilares ferramentas educacionais que facilitavam a compreensão do ser humano do funcionamento da ‘máquina universal’ e do movimento das estrelas.
Da mesma forma que os globos – celestes e terrestres – e os mapas, as esferas armilares faziam parte da cultura moderna e foram protagonistas e testemunhas de palácios majestosos, de museus, de grandes bibliotecas, de gabinetes de curiosidades e também de sociedades privadas. A sua natureza híbrida – científica e artística –, tornava as esferas objetos preciosos e itens cobiçados no mundo da troca diplomática, especialmente durante o Renascimento europeu. Ali onde eram colocadas ocupavam um lugar espacial e alegórico preeminente. A sua vinculação com o mundo do saber e do conhecimento permitiu que elas aparecessem em obras pictóricas de reconhecido valor ao lado de importantes figuras políticas e religiosas da história do velho continente. Às vezes, os monarcas e governantes portugueses colocaram uma cruz acima da esfera como símbolo da igreja universal.
A esfera de Portugal, mais simples na sua estrutura, abrange todos esses significados e mais algum. Como diz Isabel Soler, autora de um livro intitulado El nudo y la esfera: el navegantes como artífice del mundo moderno (Barcelona, El Alcantilado, 2003), desde o século XV os navegantes portugueses desenharam o percurso armilar como conseqüência da sua vontade de conhecer a realidade espacial do mundo em que viviam. Foram estas as pessoas que construíram o mundo moderno, foram estes os artífices da esfera, uma esfera que tinha o seu ponto de partida em Lisboa e que acabava também em Lisboa.
As esferas que hoje contemplamos na parte superior da torre do Mosteiro dos Jerónimos, acima de um padrão comemorativo dos Descobrimentos, na fachada de um edifício de estilo manuelino ou mesmo no topo dos postes de luz são um reflexo de aquele mundo que servem alguns como antidepressivo. A partir da expansão a esfera foi um elemento transversal para qualquer regime político e qualquer evento. Desde então Portugal não se compreende sem a esfera. Portugal e a esfera são inseparáveis. Portugal é, sem dúvida nenhuma, o país da esfera.