Morar em outro país é um sonho que seduz muitas pessoas, mas que, na prática, exige coragem e disposição para enfrentar desafios inesperados. Além das barreiras óbvias, como o idioma e os costumes, há também uma transformação interna profunda, que afeta nossa identidade e o sentimento de pertencimento. É uma experiência que envolve muito mais do que aprender a viver em um novo lugar, na verdade, trata-se de descobrir uma nova versão de si mesmo e nem sempre as pessoas estão preparadas para isso.
O início: entre a euforia e a desconexão
No começo, a empolgação com o novo mistura-se ao choque cultural de forma bem frequente. Achamos que é só aprender os novos sistemas, normas sociais, novo idioma e comportamento das pessoas locais. Tudo isso por si só já pode ser bem complexo, mas há algo que torna o processo ainda mais desafiador: o momento que lidamos com uma desconexão interna. De repente, aspectos da nossa personalidade, como o senso de humor, a espontaneidade e as habilidades interpessoais, parecem perder força e não ter mais sentido quando o idioma e os códigos culturais são diferentes.
Essa sensação pode levantar questões difíceis: "Quem sou eu aqui?" ou "Por que me sinto inseguro em situações nas quais sempre me destaquei?". Reconhecer que essas mudanças não significam perda, mas sim uma oportunidade de evolução, é o primeiro passo para ressignificar essa experiência.
Adaptação não é substituição
Um dos maiores desafios é equilibrar a adaptação à nova cultura com a preservação da própria essência. É um processo complicado, principalmente quando assistimos a vídeos nas redes sociais que nos lembram que aquelas novas pessoas nunca saberão a excelente pessoa que somos na origem. E o fato de não podermos ser os mesmos da terra natal, pode acabar nos gerando a pressão de que para nos encaixarmos ali precisamos abrir mão dos nossos valores, conceitos e partes de nós mesmos. Não deixar que esse pensamento controle suas ações e emoções é extremamente importante desde o início para entender que mudar de país é se adaptar e não substituir quem você é.
Ou seja, a adaptação não significa abandonar quem você é, mas sim uma maneira de ampliar seus horizontes e de integrar novas perspectivas à sua história pessoal. É possível adotar novos hábitos e valores culturais sem renunciar às suas raízes. Esse equilíbrio é essencial para transformar a mudança em uma experiência enriquecedora.
Os impactos do idioma e da cultura
Mesmo quando se alcança a fluência no idioma local, como no meu caso o alemão, sempre haverá características nossas que não se traduzem completamente. O idioma carrega muito mais do que palavras, ele transmite nossa essência, nosso humor e até mesmo as nossas piadas mais espontâneas. Essa limitação pode levar à sensação de que parte do nosso "eu" está sendo silenciada ou mesmo que não existe mais, ou não é mais autêntica. Mas na verdade, o que acaba acontecendo é que essa nova versão de nós mesmos é apenas diferente do padrão a que estamos habituados e não que deixamos de ser autênticos.
O novo idioma e cultura dão uma cara nova para atitudes e características que já tínhamos, e aqui entra a nossa capacidade interna de aceitarmos essa transformação. Vai ser estranho quando você se pegar comemorando uma conquista de um novo jeito, com novas palavras e expressões, assim como em outros momentos, de raiva, de dor, de tristeza…E falo por mim que quando isso acontecia comigo, uma das minhas perguntas a mim mesmo era “mas será que eu tenho o direito de agir assim?” e depois de muito refletir sobre, a conclusão foi: sim, eu tenho.
Quanto mais absorvemos a cultura do novo local, mais integrados estivermos com as pessoas daqui, mais falarmos e, principalmente, ouvirmos o idioma e as formas de expressão, maior é a probabilidade de também reproduzimos aquilo de uma forma natural e automática. Claro que há momentos em que nós queremos forçar algo, uma expressão por exemplo, para nos sentirmos mais incluídos ou mesmo para não nos esquecermos, mas ainda sim soa falso no início (pelo menos para mim). Depois de um tempo, fazemos isso sem percebermos e isso é um ótimo sinal. O importante nesse processo é você não se colocar para baixo e achar que não pode usar o mesmo vocabulário e três jeitos do novo país.
Preservando valores e encontrando bem-estar
Ao mudar de país, pode surgir a impressão de que deixamos para trás tudo o que construímos, incluindo valores pessoais e raízes culturais. No entanto, esses aspectos continuam conosco, ainda que adaptados ao novo contexto. Por exemplo, se o reconhecimento sempre foi importante para você, ele permanecerá sendo um valor central, mas poderá se manifestar de maneiras diferentes no novo ambiente, até porque no novo país as pessoas podem ter maneiras bem distintas de demonstrar isso e enquanto você não aprender quais são elas, vai ficar sem alimentar esse valor que considera essenciais, o que irá impactar no seu estado emocional depois de um tempo.
Essa adaptação também envolve, por exemplo, encontrar novos gatilhos de bem-estar que se encaixem no estilo de vida local. Se você tem o bem-estar como valor inegociável, como no meu caso, vai precisar descobrir novas atividades, lugares e novas interações sociais que lhe gerem isso. Quer um exemplo? Imagine que você tem uma comida específica que lhe gere a sensação de bem-estar, mas no novo país, por mais que você tente, não consegue os mesmos ingredientes para reproduzir. O que você vai fazer? Sentar, chorar e deixar de manter esse seu valor pessoal em dia ou vai descobrir um novo alimento que lhe gere a mesma sensação? O mesmo acontece com lugares, hobbies e até mesmo pessoas…
Lidando com os desafios
A adaptação cultural nunca é um processo linear ou completamente concluído. Sempre haverá situações novas que desafiarão sua percepção e exigirão flexibilidade. Ter uma mente aberta e controle emocional é crucial para navegar por essas experiências. Lidar com erros de forma leve e não se cobrar tanto ajudam a transformar os desafios em oportunidades de crescimento.
Além disso, reconhecer que nem tudo precisa ser aceito de forma absoluta é importante. Há aspectos culturais que podem não se alinhar aos seus valores ou preferências, e tudo bem. A adaptação é muito mais uma transformação interna do que uma conformidade externa.
Pertencer é reconhecer-se
No fim das contas, a sensação de pertencimento começa dentro de nós mesmos. Morar em outro país é uma oportunidade de crescimento e autoconhecimento que nos ensina a integrar diferentes culturas e perspectivas à nossa identidade. Não se trata de substituir quem somos, mas de expandir o que podemos ser. Viver fora é desafiador, mas também transformador. É um convite para criar um lar dentro de nós mesmos, onde quer que estejamos. E, ao abraçar essa complexidade, descobrimos não só como pertencemos ao novo, mas também como podemos continuar fiéis à nossa essência.