A pequena plantinha semimorta que eu insistia em aguar no parapeito da minha janela parecia brotar enquanto eu a observava. Parecia lutar contra a morte e tomar a vida em suas folhas. Era o primeiro dia da primavera e aquele pequeno broto parecia tomar coragem para se tornar amarelo.

Por um momento, me perguntei, o que estava fazendo ali?

De repente um ato tão banal quanto aguar uma planta havia me segurado pelos braços e pernas e chamado minha atenção.

Olhei para o relógio, estava atrasado é claro. Meu café já frio ao lado da planta parecia me olhar com um tom de deboche. Onde estava minha mente naquele dia que me fizera perder horas encarando uma planta?

Chacoalhei a ideia de vida, morte, nascimento e plantas da mente, peguei minhas chaves e andei até a porta, olhando uma última vez para aquela criatura que chamara minha atenção de forma tão devastadora. A planta parecia brilhar contra o céu azul claro da manhã, emoldurada pelo branco da janela parecia como um quadro pendurado em um museu famoso.

Desci as escadas silenciosas do prédio esperando deixar para trás a estranha sensação de leveza que a planta havia colocado em meu peito. Porém, assim como a planta havia surgido em minha mente de supetão, o barulho das escadas, um dia melancólicas, se tornava uma melodia estranha para meus ouvidos.

Atrás de cada porta pesada de madeira escura de cada apartamento eu podia ouvir uma música, podia ouvir vida.

Pessoas conversando, rindo, chorando, televisões ligadas, notícias do jornal, crianças se preparando para a escola, adultos se preparando para o trabalho. Passava por ali como se a cada passo um fragmento de cada história prendia-se a mim.

Vozes, sons e melodias que nunca havia ouvido, nunca havia notado. E assim como aquela planta, esses sons deitavam em meu peito enraizando ali uma sensação que nunca havia sentido, um calor, uma faísca de alegria.

Quando pisei os pés na calçada, percebi que não poderia mais lutar contra aquilo que crescia a cada bater de meu coração.

No cimento antigo e quebrado podia ver a natureza antiga da cidade que ali crescia, ramos verdes entre cada rachadura, pétalas minúsculas de flores que batalhavam pela luz do dia. A natureza, que um dia fizera daquele espaço sua casa, lutava contra o cimento buscando novamente o sol, a luz, a felicidade talvez.

Olhei para trás em busca de respostas para as quais nem sequer sabia as perguntas.

Desde a primeira janela de meu prédio, vi cortinas, quartos iluminados, pessoas começando suas manhãs e casas vazias já trocadas pelas rotinas.

Todas as janelas eram iguais, algumas mais manchadas pelo tempo do que outras, mas todas eram iguais. E todas eram diferentes.

Atrás de cada vidro, de cada persiana, existiam aqueles sons e vozes que eu havia ouvido mais cedo.

Assim como a natureza ressurgindo contra o cimento, as vidas humanas se destacavam contra o concreto do prédio.

Estava eu perdendo a minha mente? Para onde esses devaneios matinais poderiam me levar?

Observando cada janela parei na portaria do prédio, onde o porteiro simplesmente sorria. Não para mim e não para ninguém na rua. Simplesmente sorria.

E como uma doença contagiosa comecei a sorrir. Comecei a sentir aquele calor queimando dentro de meu peito, junto com a plantinha de casa, junto com os sons das portas, junto com as plantas do cimento e junto com as vidas atrás das janelas.

Novamente, chacoalhei minha cabeça e me pus a andar. Conferi o relógio e estava mais atrasado ainda.

Porém, conforme andava, podia ouvir a cidade.

Não apenas fragmentos de janelas, podia ouvir conversas, podia ver sorrisos, podia ver lágrimas, podia sentir minhas próprias emoções.

Não conseguia entender o que estava acontecendo dentro de mim, havia eu acordado com as primeiras mudanças da primavera? Aquilo não estava relacionado à estações.

A cidade, as pessoas, até eu, sempre havíamos existido em um silêncio ignorante, cinza e tênue.

Continuei meu caminho, sentindo um passo mais leve do que o outro. Percebendo a quantidade e a felicidade das pessoas ao meu redor.

Cada qual que morava em uma casa, fosse acompanhada ou sozinha, cada qual explodindo em vida, em altos e baixos.

Finalmente, o pensamento recorreu a mim, era esse calor apertado no centro de meu peito, que nasceu de observar finalmente a vida que corria ao meu redor, esperança?