Há silêncios que soam estrondosos, é facto, mas, também, há aparições que soam silêncios. “Ahimiyelanga”, (não estamos calados, em português)”, concerto oferecido pela Banda Ghorwane, na sexta-feira e sábado, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, em Maputo, é disso exemplo. Aos 40 anos de existência, a banda subiu ao palco, tocou, cantou, dançou, moderadamente, sem a aura dos grandes acontecimentos, de êxtase.

As memórias que nos sobram das primeiras músicas do grupo contrastam, agora, com as que ecoam na sala grande do Franco. Majurugenta (1993), Kudumba (1997), Vana Va Ndota (2015) e Kukavata (2015) são, naturalmente, a base de um concerto com história, agora executados com pouco de verdadeiramente memorável. Não há magia, não há catarse. Tudo está morno. Talvez porque não queiram se prender ao passado e queiram provar a relevância do seu presente. Mas como? Com as canções energéticas que preencheram parte considerável do alinhamento, adornadas com bateria e repercussão, contradizem-se as intenções e caem os argumentos.

A verdade é que Ghorwane tenta revigorar-se, ao se assumir estável, mas definha por dentro, entre lamúrias e o peso do legado. Não é preciso muito esforço para fazer impactar quando se tem um repertório à altura, aos 40 anos de história. Mas aqui está o problema: falta muito; experiência para os mais novos e motivação para os antigos.

Roberto Chitsondzo, David Macuácua, Carlitos Gove e João Carlos Schwalbach são as ditas vedetas da banda, cada um com um histórico que se confunde com a própria criação. São eles a carne para o canhão, os artisticamente violentados com o propósito de serem fortes, mais “representativos”. Mas, cá entre nós, já estão cansados, desmotivados, desestruturados, perdidos.

E não é que não façam nada acontecer, fazem, mas já não sentem. Como uma banda que nos acostumou à vibração, a fugir do tédio, mantendo um tom vital do princípio ao fim, “Ahimiyelanga” soou à contradição. E isto leva a pensar numa banda que está a ser consumida pela ferrugem, que, além de manter o dinamismo de um espetáculo ao vivo em mutação, encontra nos concertos um significado estritamente saudosista.

Por isso, dececionaram na atuação. Por isso, falharam nos elementos do palco, som e luz. Por isso, percebeu-se que David Macuácua, por exemplo, já não sente o pulsar da banda, chegando a perder-se entre o ritmo e as entradas de voz, enquanto António Baza tomava protagonismo em danças desnecessárias que lhe tiraram o fôlego na atuação e no trompete, numa correria pelo fulgor e potenciar o lema: “Ahimiyelanga”. E caíram na mesma armadilha Nacito Pascal, trompete, e Mahu Mucamisa, saxofone, que, vezes sem conta, desalinhavam todos os instrumentos de sopro.

Mas foi ao cantar que se percebeu o cansaço e a desmotivação de Roberto Chitsondzo, traído por aquela voz suave que transmite inquietação e urgência, angústia e desespero. Chitsondzo não é mais jovem, mas continua a carregar a banda como nunca. Com generosos solos de guitarra, lembrou, mais uma vez, um passado bondoso em que a eletricidade, a intensidade, estava nas guitarras e a tensão na voz.

O concerto, marcado para 20 horas, iniciou ligeiramente atrasado e demorou um pouco mais a decolar, e com um som tímido e morno que só ganhou altura de voo a partir da sétima música, quando o show já estava no auge. Nessa altura, a banda começou a intercalar as músicas, criando fins e princípios energéticos, que não deixaram ninguém sentar.

Já tinham queimado alguns dos sucessos de Kudumba (Matssotcha, Sathani, Xizambiza, Oyumussita Quine, Txongola), de Majurugenta (Muthimba) e Kukavata (Mabokwanhane), mas não era isso que todos queriam. E não seria preciso muito. Seria até bastante fácil (demasiado, diríamos), fazer do concerto uma celebração tão festiva quanto, obrigatoriamente, memorável.