Um rápido olhar sobre a vida contemporânea nos revela um mundo fragmentado, pulverizado em inúmeros grupos reivindicatórios, associações contingentes, agrupamentos circunstanciais, acirrando os conflitos intrafamiliares, a crueldade das guerras, a desolação e solidão.

Buscar unificar, juntar ou polarizar o que está quebrado, o que está disperso é sempre um propósito alheio às forças e estruturas segmentadas geradoras das divisões e quebras. As situações ou formações que se dividem, que se quebram, que se partem, seja no nível social, seja no individual, são resultado de cisões, de fragmentações iniciais.

A unidade que se parte, a crença que acaba, a fé que desmorona, enfim, quando o que segura, o que aglutina é removido, é afastado, tudo que era por ele imantado, ligado, aglomerado ou aglutinado, fica disperso. As crenças políticas desmistificadas, a mentira descoberta, a traição percebida, as lideranças que desaparecem, os chefes e mães de família que morrem, todas essas situações expõem quebras, deixando a descoberto o que não era coeso, em suma, o que não era unificado.

Autonomia na esfera individual, e conhecimento dos processos de cooptação e alienação na esfera social, são os determinantes de coesão, de unificação. Ao compreender a estruturação desses processos fica cada vez mais importante perceber que sem autonomia e sem a constatação do que aliena e coisifica, não existe coerência ou unidade nos grupos ou organizações. Nesse contexto, o que existe é padronização que oculta e dissimula fragmentações. Os dias de hoje são fartos em exemplos da fragilidade desses grupos, como: padronizações identitárias e sociais, grupos religiosos e políticos etc; todos eles baseados em processos que devem ser questionados em suas pretensas perpetuidades e resistências.

Lutar pelo exercício da fé, da crença que harmoniza e une os indivíduos, ao invés de simplesmente vivenciar a fé ou crença, é lutar pelos esvaziamentos relacionais, pois é fazer com que tudo se volte para o ponto da crença, no sentido de instrumentalização da crença (por exemplo lutar pela hegemonia de uma religião, endeusamento e politização de suas lideranças etc.). Estabelecer pontos fora do sistema, é acabar com as motivações que o engendra, criando outras a ele alheias. A circularidade do estar junto impede os pontos de convergência. Quando a convergência acontece, os grupos são quebrados ao serem invadidos por outras demandas que não as próprias.

Ir além do estruturado enquanto vivência com os outros, com o outro, é buscar metas de realização, às vezes até de aperfeiçoamentos, e isso liquida as estruturas imanentes que os suportam. Não há mais espaço para constatação, descobertas, crítica e autocrítica, existindo apenas verificação de acertos, sucesso e empreendimentos realizados ou falhados. As vivências são segmentadas, e nesse processo, todo o espaço vai se caracterizar para recuperar o perdido. Esse espaço, entendido como meta, como desejo, é consequentemente inalcançável. Assim, insatisfação e frustração caracterizam as vivências.

Os indivíduos se agrupam por torcer pelo mesmo clube de futebol, frequentar os mesmos locais, estar nas mesmas faixas de renda e consumo, usar os ícones indicadores de seu nível social como identidade que familiariza, agrega e pode ser reconhecida. São agrupamentos fictícios que geram inúmeras distorções.

Acontece que o todo não é a soma de partes. O grupo não individualiza, apenas faz emergir indivíduos comprometidos pela busca de vantagens, de resultados que lhes ofereçam oportunidades de brilho. Essa dinâmica gera mais segmentação, mais despersonalização, mais frustração. Nesse processo desaparece autenticidade, solidariedade, amor, disponibilidade e desprendimento. O ser humano passa a ser guiado e orientado por imas polarizantes, tais como: o governante que vai deixar usar armas, o que vai dar salário família, o que vai dar terras, o que vai abolir leis restritivas, assim como o sacerdote que promete felicidade, paz e harmonia etc.

Quando a atitude imanente do estar no mundo é transformada na busca por satisfação das próprias necessidades, se perde humanidade. As generalizações começam a açambarcar e justificar as atitudes, das mais simples como discriminações corriqueiras, às graves e extremas como as justificativas de violências e, quiçá, de possível canibalismo em busca de proteína onde quer que ela esteja. Basta afirmar que quem está diante de si não é um ser humano, para atitudes extremas serem justificadas: genocídios, matanças, exploração, escravização! Basta pensar que não é um ser humano que está ali, que ele é um óbice que atrapalha e precisa ser removido para que se tenha terra, propriedades, dinheiro, para que se satisfaça desejos. Como nas guerras por exemplo, a cada ano se renovando com tecnologias mais destrutivas, consequentemente com mais segmentações e destruição, impondo-se na pseudo busca de ordem e paz mundiais.