Recentemente, em seu podcast, a atriz Tori Spelling conversou com sua colega, também atriz, Shannen Doherty. As duas estrelaram o seriado dos anos 90 "Beverly Hills 90210" (no Brasil conhecido como "Barrados no Baile") e comentaram como suas imagens, ações e a forma como agiam e falavam acabaram sendo controladas pela mídia e por outras pessoas. Tori comentou sobre a forma como ela falava, seu tom de voz e como o modo como as mulheres agiam acabou por influenciar sua vida inteira. Shannen concordou e comentou sobre sua reputação de "bad girl" e como produtores e diretores incentivavam na mídia essa imagem dela, ao contrário de Tori, que comentou que ela se preocupava em ser agradável para que gostassem dela e para que ela não causasse problemas.

Essa conversa entre as duas atrizes trouxe à tona um problema que, infelizmente, mais de 30 anos depois ainda é recorrente tanto nas mídias como nas redes sociais: o controle sobre a imagem feminina, ou melhor, o ideal do que seria uma mulher.

Nos anos 50/60, o ideal era a "moça recatada e do lar", boa mãe, passiva, fiel, bonita e que sempre obedecia ao marido. Com a revolução trazida pelos hippies e a segunda onda do feminismo, pouco a pouco essa imagem foi sendo modificada. Contudo, infelizmente, ela não atingia as grandes massas, pois os meios de comunicação (todos com homens no comando) eram contra essa inversão dos valores que eles pregavam. Como exemplo, podemos pegar seriados como "Bewitched" (A Feiticeira) e "I Dream of Jeannie" (Jeannie é um gênio), que apesar de terem personagens carismáticas como protagonistas e até com atitudes progressistas para a época, ainda eram colocadas no papel de "serviçais" para os desejos masculinos, Samantha com seu marido e Jeannie com seu amo.

Nos anos 70, os papéis femininos ficaram mais sensuais, com roupas mais justas e curtas, e se tinham mulheres mais feministas, com carreiras próprias e em papéis que não se resumiam a serem donas de casa. "The Mary Tyler Moore Show" é um dos primeiros seriados que podem ser considerados progressistas por ter como protagonista uma mulher divorciada na casa dos 40 anos e tratar sobre temas considerados tabus, como o aborto.

Infelizmente nem tudo eram flores, pois ao mesmo tempo que se tinha esse seriado, existiam diversos outros em que a mulher era dividida em duas categorias, a sensual e a recatada, as duas sendo, na maioria das vezes, personagens sem profundidade e a primeira sempre em roupas mais provocativas e sensuais para agradar o público masculino.

Os anos 80 viu uma grande divisão acontecer, pois ao mesmo tempo que uma parte da sociedade queria ver valores mais progressistas na programação, o governo Regan queria trazer novamente os “valores tradicionais” dos anos 50 de volta, por isso nesta década não era incomum ver programas e seriados mais “tradicionais” existirem lado a lado com seriados e programas mais progressistas.

Entretanto, mesmo com essa volta dos "valores tradicionais", programas e seriados com mulheres praticamente seminuas e extremamente objetificadas eram comuns, como por exemplo o seriado "Baywatch" (SOS Malibu), onde a história e o roteiro ficavam em terceiro plano e a prioridade era ter atrizes magras, bonitas e de preferência com seios grandes. O sucesso do seriado foi tanto que ele acabou entrando até no Guiness Book.

Os anos 90 viram uma mistura dos dois lados surgidos nos anos 80, com seriados transmitindo valores morais e tradicionais ao mesmo tempo que lidavam com tópicos mais complexos e cheios de tabu. O roteiro passou a ter uma atenção maior em relação às histórias, mas um dos problemas intensificados foram as histórias atribuídas às personagens femininas, a maioria envolvendo gravidez, rivalidade feminina, triângulos amorosos e questões mais frívolas e por vezes fúteis.

Um dos maiores problemas era o fato de, mesmo personagens ditas feministas, serem encaixadas em padrões moralistas e machistas. "A felicidade da mulher está em casar, ter um marido e filhos", "personagem X age desse jeito porque não tem um amor", "a amizade feminina prevalece até elas disputarem um mesmo homem", "mulheres não conseguem ser amigas, sempre vão ser rivais" e etc. são apenas alguns exemplos.

Ao surgir no final dos anos 90 e início dos anos 2000, o seriado "Sex and the City" foi um marco para as mulheres, ao ter um seriado com 4 mulheres diferentes como protagonistas. Contudo, o mesmo problema dos anos 90 continuava, mesmo personagens mais progressistas eram colocadas dentro da ideia de valores tradicionais e acabavam sendo sexualizadas. Uma das críticas a "Sex and the City" é exatamente o fato de um seriado, teoricamente, voltado para o público feminino ter tanta nudez de mulheres.

Como se pode notar, mesmo chegando até os dias de hoje, essas ideias tradicionais sobre o papel da mulher ainda continuam do mesmo jeito. Em quantas novelas o final da protagonista não é casar com o mocinho, engravidar e ter filhos? Em quantos programas, ditos femininos, o foco não se limita a roupas, maquiagem, a dicas de como agradar o sexo oposto?

Apesar de muitas pessoas dizerem que não, as mídias acabam por influenciar de forma profunda o telespectador, principalmente se ele for meninas no começo da adolescência. Com o movimento do #metoo, que viralizou em 2017, mudanças em relação às mulheres, seus papéis e a forma como eram representadas na mídia começaram a se modificar mais.

O foco em papéis femininos que não se limitassem a romances e "frivolidades" ficou maior, entretanto isso acabou por trazer um outro problema que é a completa rejeição a essa figura feminina mais "fraca", fazendo com que a maternidade, casamento e relacionamentos fossem coisas que as mulheres não deveriam priorizar.

O problema disso é que essa visão mais moderna de como uma mulher tem que ser acaba por se tornar tão problemática como a visão mais tradicional que ainda é imposta. Programas e seriados colocarem personagens femininas fortes e avessas ao tradicional (e o contrário também), acaba por ser incoerente, pois ao mesmo tempo que se diz "você pode ser o que quiser, desde que não seja da forma que os homens querem" a outra parte diz "uma mulher de verdade pode até querer ser forte, desde que cumpra sua função de casar e ter filhos".

O filme da Barbie (2023) trata desse assunto, principalmente no discurso da personagem de America Ferrara, onde ela aponta a quantidade de contradições que os dois lados exigem das mulheres.

Mas o que fazer então? Não existe uma resposta certa para essa pergunta. São décadas e décadas de influência da mídia em nosso comportamento, o remédio talvez seja não passar tanto tempo e nem se deixar influenciar pelo que uma tela diz e mostra.