Hoje me encontrei com duas amigas para estudarmos. Nos encontramos todas as semanas com vários objetivos, entre eles estudarmos Freud.
Nosso grupo iniciou em um cartel, nos reunimos por um tema em comum, na época o objeto de estudo era o Desejo. Ao final do cartel já estávamos muito próximas, nós três moramos na mesma cidade, havia mais um membro no grupo do cartel, mas este colega estava morando fora do Brasil. Nos encontramos presencialmente algumas vezes e depois que encerramos o cartel, alguns poucos dias depois, a mais um nos convidou para um café. O convite já foi feito por meio de um grupo no WhatsApp intitulado: Cafézinho cult, e com isso nós grudamos!
Lacan diz que o cartel deve ter seu fim para que os participantes não façam cola, ao final devem seguir desejando estudar outros temas. Em um cartel o grupo é formado pelo desejo de um tema em comum e não pelas pessoas com quem vão estudar. Acho essa “regra” fantástica, afinal ela nos proporciona conhecer pessoas novas, trocar experiências e fazer vínculos, que por vezes ficam para vida.
No meu caso, com estas duas amigas, ao final do Cartel seguimos com o desejo do estudo, tanto que estamos em novos cartéis. Mas isso não nos impediu de fazer cola, e ao fazermos cola surge um novo formato de grupo. Não somos mais um grupo de cartel, mas assim como neste, nós temos nossa maneira de reger os nossos encontros, e eu falarei disso mais adiante. O que importa por hora é que o desejo de estudar segue firme, assim como o desejo de estarmos juntas de alguma maneira.
No nosso encontro de hoje falamos sobre os horários do nosso grupo, nas últimas semanas temos sempre atrasado alguns minutos, seja por imprevistos, seja por estarmos atendendo. Iniciei o assunto sugerindo que trocássemos o dia do nosso encontro, não foi possível. Pensamos em mudar o horário, não deu certo, no final entendemos que o dia e horário são os que melhor se encaixam para todas nós e passamos a conversar sobre isso.
Uma delas destacou que fica impressionada com o quanto o nosso desejo de nos encontrarmos é forte, já que neste horário poderíamos estar atendendo e nenhuma de nós o disponibiliza para esta finalidade, nós atendemos antes ou depois, mas no horário do nosso grupo não.
No meio da conversa, esta amiga de quem eu falava, sugere que fizéssemos nosso encontro em apenas uma hora e não em uma hora e meia e que nos focássemos em estudar, apenas isso. Eu não concordei e disse:
"Nós não somos assim, isso não vai funcionar. A gente quer se encontrar pra podermos conversar, extravasar um pouco as angústias da clínica, fazer supervisão, estudar, fofocar, essa de só estudarmos não vai dar certo."
É isso, queremos mais do que só estudar. Depois do encontro fiquei pensativa com isso de ir além dos estudos, como sempre é só depois mesmo, é necessário esse tempo de elaboração. A clínica é esse lugar solitário, onde o analista está ali a cada momento ocupando um lugar diferente, mas nunca o seu próprio. Isso é cansativo, gera angústias e preocupações que são somadas às angústias e preocupações da vida adulta.
Estudos, supervisão, conversa, desabafo, choros, risadas, fofocas, nossos encontros semanais têm sempre um pouco de cada uma destas coisas. Não temos nada programado de forma rígida, é tudo muito orgânico. Ao chegarmos conversamos um pouco e em um determinado momento uma de nós três fala de estudarmos. Na semana seguinte alguém diz que quer fazer uma supervisão, deixamos o livro de lado e vamos discutir o caso clínico. Em outro momento chegamos angustiadas com algo da vida, e passamos a conversar sobre isso, ouvindo umas às outras.
Não há uma regra, mas uma coisa é certa, estes são momentos ricos e por isso tão importantes no dia a dia de uma clínica psicanalítica. Ao menos para a minha! Estes encontros, que não necessariamente toda semana é de fato um estudo, não à toa o café vem primeiro no nome do grupo não é mesmo, se faz tão importante para nós três a ponto de não faltarmos a eles.
Os pares são o que fazem com que a clínica psicanalítica caminhe, não somos nada sozinhos e com certeza um cafezinho cult no meio da semana torna tudo um pouco mais leve, é o respiro, o acalento no meio da minha semana!