Sigo aos pulos, atropelos e saltos em fases desafiadoras que se acumulam a todo momento, fazendo um desencontro entre o tempo de ação, compreensão e apreensão de tudo que se vive. Acredito que o mundo esteja assim, meio que desejoso de mais horas ou menos afazeres.

Cansados sem mesmo chegar ao fim do dia, tornamo-nos incapazes de sorver o que acontece, pois parece que nada foi concluído e resolvido. Há de se resgatar os pontos finais, respirar mais demoradamente e buscar novos recomeços. Eis que aí está o problema desse mundo do desempenho, como diz Byung-Chul, no livro Sociedade do Cansaço, a sensação é que não somos capazes, e uma insuficiência nos assola.

Uma procura abusiva por novos modelos, outras coisas, mais coisas, uma inquietude que nos tira do lugar, gerando um total desalento, uma solidão diante de um todo que se agiganta diante de nossa suposta falta de importância. E quanto mais procuramos confirmação, mais nos atolamos de “troços e situações”, mesmo assim ainda existe a nossa pequenez querendo uma quietude. Um canto, uma paz, uma meia luz, uma singeleza como não vemos há tempos.

Complicado isso, não é mesmo, não degustar aquilo que vivemos.

Aproveitar pequenas delicadezas, como tomar um sorvete, olhar um passarinho voando pelo céu, uma folha que balança ao vento, a lua que brilha, as ondas que vão e vêm. Tudo tão poderoso! Acordar sem pressa e deixar-se ficar preguiçosamente, até que o corpo peça seu primeiro café bem servido, ler uma revista, ouvir uma música, se animar com um bolo no forno, dançar, mexer nas plantas e só então poder pensar no restante do dia.

Isso existe? Acredito que sim. Talvez não para muitos, mas há aqueles que conseguem manter uma rotina, uma solidez nos seus afazeres, sem serem atravessados pelo tempo ensurdecedor.

Existe um sentimento de insuficiência, que faz com que os indivíduos persigam um patamar de grandeza, que os faz sentirem valorizados, absolutamente inclusos, seja na performance do trabalho, no tamanho das casas e carros, nos estoques de mantimentos e itens de consumo. Tudo precisa ser perfeitamente tecnológico de tal forma que a cada minuto você tenha uma nova situação a ser resolvida, pois existem mais informações e situações dentro da sua programação, do que poderíamos imaginar. Desta forma fica difícil você processar os episódios porque logo outras motivações te mobilizam, te roubam de sua zona de conforto. A rotina de se deixar experimentar é fundamental, e digo isso porque é preciso verificar se um estado de coisas, processo ou semeadura estão dando certo, para que se valide.

Quando se estabelece um jeito de compor a vida, sem sobressaltos, sem pressa e com capacidade de abstrair-se do tempo fugidio, um movimento interessantíssimo acontece, a força criativa, a inteligência criadora. O italiano Domenico De Masi em O Ócio Criativo e ainda o francês Marcel Proust, nas suas caminhadas contemplativas, referente à ampliação da percepção discorreram profundamente sobre o assunto. O gostar de se estar e ficar.

Gostar de estar repetidamente num mesmo lugar, fazendo as mesmas coisas, sabendo de alguma forma como vai se dar o momento seguinte e o dia seguinte deveria ser regra na vida de qualquer pessoa, por um determinado tempo. Saber que o livro, a escova de dentes e até mesmo aquele vinil estão bem ali onde você os colocou há algum tempo, tão íntimos daquele lugar que parecem que nasceram ali ou foram criados para estar ali, a vida toda, é reconfortante. A sensação de dominar o mundo, e não ser dominado por ele, também pode gerar uma paz e um sentimento de pertencimento preciosos. Deixar-se ir é fantástico, poder ficar é prazeroso. São dois pratos da balança de um equilíbrio necessário, produtivo e restaurador.

Nos vemos já, já.