Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, foi idealizada para ser uma cidade moderna desde sua construção em 1897. Mas seu maior símbolo de modernidade, a Pampulha, foi criado nos anos de 1940 pelo então prefeito Juscelino Kubitschek e pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Muitos acreditam que a Pampulha carrega uma grande maldição desde sua origem!
Belo Horizonte surgiu após a transferência da antiga capital Vila Rica (atual Ouro Preto) para o Arraial de Curral Del Rei, na região central do Estado. A mudança da capital de Minas Gerais era debatida desde 1820, mas ganhou força com a Proclamação da República em 1889. O fim da monarquia provocou uma mudança no imaginário da época. Vila Rica estava em decadência devido à queda da extração do ouro, tinha uma topografia acidentada que limitava seu crescimento físico e transmitia uma imagem associada a um passado colonial e imperial que a República queria esquecer.
Após muitos debates e jogos de interesse para definir o local da nova capital, Curral Del Rei foi escolhido e destruído para a construção de Belo Horizonte. A população original foi expurgada; novas ruas e traçados foram redesenhados sob as ruínas do arraial; raízes e tradições históricas foram simplesmente desconsideradas.
Uma Comissão Construtora foi criada e elaborou um projeto urbanístico moderno baseado nas ideias de Haussmann na Prefeitura de Paris. A cidade ganhou traços da arquitetura eclética e neoclássica. O plano da cidade a dividia em áreas urbana, suburbana e rural. O crescimento desordenado, sobretudo após os anos de 1930, provocou uma ocupação bem diferente do previsto! A cidade crescia para todos os lados e surgiam vários problemas de infraestrutura.
Foi em meio a esse cenário histórico que Belo Horizonte entrou na era da Arquitetura Moderna com a criação do Complexo Arquitetônico da Pampulha, Patrimônio Cultural da Humanidade. Para essa empreitada, Juscelino Kubitschek escolheu uma área rural da cidade conhecida como Fazenda Pampulha e convidou o jovem arquiteto Oscar Niemeyer para projetar todo o complexo. Nascia aí uma parceria de sonhos e ousadia que uniu esses dois homens e os levou à Brasília. A Pampulha transformou a capital mineira em um símbolo internacional da Arquitetura Moderna.
O prefeito Kubitschek pretendia criar um novo bairro na cidade, com um grande lago artificial margeado por alguns equipamentos de lazer e turismo: uma capela (Igreja de São Francisco de Assis), um clube (Iate Tênis Clube), uma Casa do Baile, um Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha), um restaurante, um hotel e um campo de golfe. Os dois últimos equipamentos não foram executados. Primeiro sinal de alguma maldição?
Niemeyer inaugurou um estilo único - com curvas em concreto que nos remetem ao movimento - e transformou uma região inóspita da cidade em um atraente polo de lazer para as famílias mineiras, sobretudo de elite.
Em 16 de maio de 1943, o Complexo da Pampulha foi inaugurado com grande festividade e presenças ilustres como as do Presidente da República Getúlio Vargas e do mestre da música Ari Barroso. Mas fatos subsequentes levaram a uma suspeita: Será que há uma Maldição da Pampulha?
Algumas situações inesperadas e indesejadas ocorreram e, diante disso, espalhou-se um boato de que eram consequências da “praga” de famílias que foram desalojadas na região da Fazenda para o alagamento que deu origem à lagoa da Pampulha, uma Maldição.
Um dos primeiros sinais dessa Maldição se deu na capela. A igreja São Francisco de Assis não foi reconhecida e abençoada pelo clero e permaneceu fechada ao culto por 15 anos. Sua forma inusitada (primeira Igreja moderna do país) e a polêmica temática das pinturas que a decoravam provocaram a desconfiança e aversão da tradicional Arquidiocese de Belo Horizonte. O autor das pinturas, Cândido Portinari, fez releituras que escandalizaram as autoridades eclesiásticas, como a representação de um franzino cão no lugar do imponente lobo ao lado de São Francisco. A forma da capela foi associada à foice e ao martelo, símbolos do comunismo. A Igreja considerou uma afronta tal semelhança, já que Niemeyer era um comunista assumido. A Igreja é uma obra prima feita a várias mãos: traços de Niemeyer, obras de Portinari e Ceschiatti e jardins de Burle Marx, mas não foi abençoada por ser considerada inadequada para um templo religioso. Uma capela que não podia ser um espaço de celebração religiosa. Sinal de Maldição?
O Cassino era a maior atração da Pampulha, onde a elite belo-horizontina se reunia para jogar, dançar, assistir a grandes shows e exibir o seu glamour. Recebia visitantes de outros estados e até de outros países. Era chamado pela imprensa de “Palácio de Cristal” pelos vidros espelhados que o circundavam. Porém, um decreto presidencial de Gaspar Dutra de 1946 interrompeu precocemente a glória do Cassino da Pampulha. O decreto ordenava o fechamento de todos os cassinos no Brasil. Diante disso, o Cassino da Pampulha foi fechado e só anos mais tarde ganhou uma nova destinação. Novamente a Maldição da Pampulha se revelava?
A Casa do Baile foi o primeiro projeto de Niemeyer para a Pampulha e foi construída sobre uma pequena ilha artificial ligada à orla por uma ponte de concreto. Abrigava um restaurante e um espaço que serviu de cenário para grandes bailes dançantes da época, com presença constante de Juscelino Kubitschek, considerado um grande dançarino. A proposta de Niemeyer era que fosse um espaço de lazer popular, porém na prática era frequentado pela elite da capital mineira. A Casa do Baile entrou em decadência após o fechamento do Cassino, permanecendo fechada e sem utilização por anos. Em alguns momentos ficou abandonada, deteriorada e ocupada por moradores de rua. Era mais uma ação da Maldição da Pampulha?
O Clube planejado para o Complexo chamava-se Iate Golfe Clube (atual Iate Tênis Clube) e estaria ligado ao campo de golfe que jamais foi construído, no local onde hoje funciona a Fundação Zoobotânica (Jardim Zoológico de Belo Horizonte). O prédio tem a forma de um barco e painel de Cândido Portinari. Foi inaugurado como equipamento público, mas foi privatizado em 1961. Sofreu ampliações que invadiram um terreno público, obstruíram a visão da construção histórica e desconsideraram o estilo arquitetônico original, descaracterizando o restante do conjunto arquitetônico. A UNESCO exigiu a demolição do anexo do Iate e a reconstrução paisagística para concessão da declaração de Patrimônio Mundial. No entanto, o processo da Prefeitura contra o Iate Clube ainda aguarda decisão judicial. A maldição ainda mostra sua força?
Desde antes da finalização da construção do Conjunto Arquitetônico, houve uma infestação de caramujos na lagoa, hospedeiro do parasita da Esquistossomose, provocando um grande surto dessa doença. Havia um volume gigantesco desses moluscos nas margens da lagoa e seu controle demandou estudos, monitoramentos e ações de cientistas por décadas. A maldição não dava trégua?
Mas foi em 1954 que a Maldição parecia se concretizar e destruir o sonho da Pampulha. Uma fenda na barragem da lagoa provocou um vazamento e toda a região foi evacuada. O aeroporto da Pampulha foi interditado e houve alerta geral dos bombeiros à população. No dia 20 de abril de 1954 a barragem cedeu e toda a região foi alagada. Casas, comércios e o aeroporto ficaram debaixo da água e os moradores desalojados. O risco de epidemia de Esquistossomose provocou pânico e vacinação geral da população. Em poucos minutos a lagoa da Pampulha simplesmente desapareceu. O prefeito de Belo Horizonte, Américo Renné Giannetti, e o Governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, acompanharam de perto as tentativas frustradas de conter o esvaziamento da lagoa. O relatório final concluiu erro na execução que não seguiu o projeto aprovado. Como não pensar na Maldição da Pampulha em um momento trágico como esse?
Entretanto, quatro anos depois, a barragem foi reconstruída e a lagoa foi reinaugurada com grande festa. A Igreja São Francisco de Assis foi, enfim, abençoada em 1959 e passou a celebrar cultos religiosos. A Casa do Baile foi reaberta após ampla reforma e atualmente funciona como Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e do Design. O Cassino permaneceu proibido, mas a edificação que o abrigava transformou-se no charmoso Museu de Arte da Pampulha em 1957. O Iate ainda abriga seu infame anexo, mas o processo está na Justiça e esperamos que sua arquitetura original seja garantida.
Em 2016, a Pampulha ganhou o reconhecimento de Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO e segue como um dos maiores locais de visitação turística da cidade e de lazer da população. Portanto, se havia a maldição da pampulha, será que foi vencida?
Alguns dizem que os aguapés no interior da lagoa que resistem às retiradas insistentes do poder público e a poluição que contrasta com as belezas do Conjunto Arquitetônico da Pampulha são sinais que essa Maldição permanece viva. Ou será que ela não é apenas consequência da ação de governantes que não têm competência e lisura para gerirem um Patrimônio tão significativo para a Humanidade?