O Relatório Mundial da Unesco sobre diversidade e diálogo intercultural, tem por objetivo propor uma perspectiva coerente da diversidade cultural, colocando a mesma como benéfica para a comunidade internacional e fazendo do diálogo o fator fundamental da comunicação entre culturas.
Já na introdução do relatório, destaca-se o primeiro aspecto positivo da diversidade: intercâmbio de riquezas, que produzem vínculos de diálogos e trocas. Entretanto, o texto também alerta para o lado negativo das interações multiculturais, potencializado pela globalização: As crises de identidade, particularmente religiosas, que resultam em conflitos e choques culturais como, por exemplo, as disputas pela Terra Santa.
Em geral, a Unesco sublinha a complexidade dos problemas e exige uma melhor compreensão da diversidade mediante uma cooperação internacional e adoção de boas práticas e diretrizes. Para tal, o texto apresenta os três tipos de abordagem mais apropriadas.
A primeira nos diz que, para analisar a diversidade, devemos respeitar sua complexidade e achar um fio condutor para múltiplas interpretações. A segunda mostra a importância da diversidade nos seus diferentes domínios de intervenções (língua, comunicação, educação, criatividade). Por fim, a terceira forma de se abordar diversidade é convencer a sociedade dos benefícios de se investir nela como dimensão do diálogo intercultural, pois ela fortalece a coesão social e a democracia e garante as liberdades e os direitos humanos.
Ao analisarmos mais profundamente, pode-se dizer que a sociedade é de ordem intersubjetiva e se organiza baseada no simbolismo. Os fluxos simbólicos se encaixam em uma ideia de comunicação como relação de trocas, ação compartilhada com afetação mútua e que desempenha um papel expressivo no mundo. As sociedades em sua maioria clamam por três tipos de trocas: as materiais, as simbólicas e as matrimoniais. Desta forma, nos conectamos em uma verdadeira rede de dependência que, por mais estreita que seja pela globalização, reflete uma diversificação enorme. Há especificidades próprias de cada cultura, mesmo que possuam uma base semelhante, por quaisquer motivos.
Muitos sociólogos apresentam suas próprias interpretações a respeito. Os sociólogos Muniz Sodré e Bubber, por exemplo, discorrem acerca das ligações comunicativas. Com bases humanistas, ambos defendiam a corrente existencialista (centralidade da existência, transcendência do ser e possibilidades como os princípios guias) para suas ideias. A intersubjetividade somada com a linguagem, constroem essa comunicação coletiva. Entretanto, a comunidade possui em seu cerne, laços invisíveis vazios, se trata de uma relação com a massa anônima, com a esfera pública, e esta não tem uma face determinada.
Bubber também acredita nas relações em dois momentos: O “eu-tu” (sem subjetividade imanente dentro do eu; apenas algo na sociedade do eu com o outro e seu olhar) que gera a comunicação de imediato, e o “eu-isso” (trata-se mais da experiência do mundo, signos dos fatos já vivenciados). A linguagem faz esta ponte entre as culturas e estas estratégias discursivas, formando o que se entende por sociedade e como ela coexiste, perpetua e se modifica com o tempo. A segunda medida engloba tal questão da comunicação e sua existência social a partir do dialeto, da língua e da forma com que as culturas são ensinadas e passadas ao longo dos anos para as novas gerações, dialogando assim com os pressupostos de Bubber.
A terceira premissa diz respeito a uma conceituação de diversidade e diálogo intercultural, e em como entender para investir em medidas favoráveis aos conceitos. O relatório examina alguns indicadores sem sair do foco de seu real propósito.
A diversidade é um fato, ela existe, em diferentes variedades culturais que são distinguidas entre si por um estudo etnográfico. Muito mais do que isto, entretanto, ela se converte em uma questão social de primeira ordem, sendo vinculada aos códigos que operam no interior das sociedades. Ademais, precisa ser encarada como dinâmica em sua natureza e acolhedora dos desafios propostos pelas mudanças culturais.
Segundo o antropólogo francês Claude Levi-Strauss, em seu trabalho apresentado para a Unesco em 1952, a proteção da diversidade não deve ser limitada à manutenção do status-quo, e sim a ela própria (além do contexto histórico). Ou seja, proteger a diversidade é assegurar que ela possa continuar se desenvolvendo. Não se deve pensar apenas na preservação como também na promoção e na nomeação dos domínios (distanciados por uma restrição primária do que seria cultura) para que a diversidade possa existir como o movimento pleno que é. Adaptação, no contexto, é a palavra de ordem.
A educação desempenha seu papel e pode exercer muito mais quando estimulada. Em sociedades multiculturais cada vez mais complexas, ela tende a adquirir as competências interculturais que nos permitam conviver com as nossas diferenças culturais sem que sejam problemas. Quando negligenciadas, o risco de aprofundar a marginalização de culturas “pouco conhecidas” aumenta, mesmo que a educação seja para dar-lhe autonomia e respeito perante as demais. O relatório finaliza com o ideal de promoção de competências interculturais para além da sala de aula e sim no seio das comunidades sociais.
Para um bom funcionamento das estratégias, entretanto, a definição mais ampla possível de cultura se faz presente no estudo: Atualmente, cultura é um processo de modificações das sociedades de acordo com seus próprios caminhos. É o conjunto dos traços distintivos, materiais e espirituais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca, para além das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. Seus conceitos são uma espécie de entidade que se definem em relação as outras, com interpretações diferentes segundo o contexto. O mesmo se aplica à civilização (culturas com tendências a se afirmarem como universais e assumem atitudes expansionistas em cima das demais).
A própria Unesco entende as dificuldades existentes da interculturalidade e visa compreender a civilização como um processo em curso para a conciliação de todas as culturas do mundo com base no reconhecimento de sua igual dignidade e importância no quadro universal contínuo.
A globalização se enraíza no texto com seu progresso de tecnologia digital que aumenta a diversidade cultural. Trata-se de um processo multidirecional, multifacetário que gera a circulação, sob eixos incertos, de todos os tipos de ideais e coisas, positivas ou negativas. O relatório analisa as repercussões destes processos exercem nas divergências culturais. Em seguida, examina o papel do diálogo intercultural como elo e fortalecedor das diferentes interações.
O diálogo não é algo fixo, justamente pelo fato das culturas não serem entidades estáticas e sem encerramento nelas próprias, requer o empoderamento de todos os participantes por meio da capacitação e de projetos que divulguem a interação sem a perda de identidade pessoal ou coletiva. Em outras palavras, a chave para um bom diálogo intercultural é entender a importância das diferenças de cada cultura e como sua dignidade contribui para o mundo, sem inferiorizar o outro.
As perspectivas da diversidade estão ligadas com o futuro das línguas, e o diálogo estabelece essa conexão. As línguas são as próprias expressões culturais, sua estrutura, aquelas que carregam a identidade e os valores de cada costume. Sua preservação se faz necessária, porém, assim como no caso da diversidade, estimular seu crescimento e sua mudança na promoção do plurilinguismo tem maior importância para um bom diálogo intercultural.
Seguindo no quesito diálogo intercultural, quando falamos sobre interculturalismo, culturas nacionais e regionais permanecem em nosso inconsciente como uma imagem de um valor imutável, ou seja, algo que não deveria se transformar. Com o fenômeno da globalização, observamos um constante contato entre diferentes culturas em todos os âmbitos (linguagem, religião, comunicação, criatividade).A princípio é importante ressaltar que a interculturalidade é essencial para a aceitação e compreensão do outro, com quem precisamos partilhar uma convivência intercultural.
A partir desse ponto, podemos observar o diálogo entre culturas. A cultura não necessariamente está presa ao território em que foi criada. Com a globalização, a imigração de indivíduos de outras culturas e a facilidade de acesso a internet (considerando que se trata de uma rede global), o contato com diferentes culturas se tornou parte do nosso cotidiano. Até que ponto indivíduos apenas partilham suas culturas, sem que isso venha a descaracterizar ou comprometer a cultura do outro?
Por fim, acredito que o ponto central para um diálogo intercultural saudável seja o empoderamento do indivíduo dentro de sua própria cultura, a fim de promover uma compreensão do outro sobre ela. O contato com diferentes culturas, além de fazer com que o indivíduo veja o entenda o outro, também traz a reflexão e nos faz pensar sobre nossos próprios hábitos e costumes, nos levando a entender porque exercemos tais práticas e analisar se cabe a nós continuar a difundir essa cultura em nossa sociedade ou transformá-la.