Costuma-se dizer que algumas coisas na vida são essenciais para o bem-viver, dentre elas as amizades e a vida social. Uma vez que vivemos em sociedade, naturalmente temos a necessidade de estarmos inseridos em grupos e de interagir com diversas pessoas, que vão desde família, colegas de trabalho, amigos, amigos dos amigos, e por aí vai.
Contudo, no meio de tantos grupos (especialmente após o surgimento do WhatsApp), muitas vezes nos vemos interagindo com pessoas que nada têm a ver conosco. Seja no grupo de pais da escola, onde muitas vezes ocorre uma avalanche de conversinhas paralelas entre alguns integrantes que nada têm a ver com o objetivo do grupo, esquecendo-se de que outras 15/20 pessoas estão ali, automaticamente e obrigatoriamente, absorvendo tudo. Ou no grupo do condomínio, onde numa bela manhã de domingo você é açoitado por uma discussão política acalorada, entre membros da esquerda e da direita, todos sempre, obviamente, com a razão. Ou ainda, em uma festa ou churrasco de fim de semana que você precisou ir por conta do cônjuge ou do filho, onde você não conhece nem se identifica com 95% dos presentes, regado ao som alucinante e em última altura de um condensado de músicas daquelas que você não ouviria nem que estivesse querendo se autoflagelar. Cenários incríveis, não é mesmo? E cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas.
Antigamente, ou seja, antes da invenção dos smartphones, a vida era muito mais simples e, eu diria, melhor também. Não ficávamos absorvendo informações aleatórias, vindas de todos os lados, enchendo nossa cabeça de coisas desnecessárias e tirando nosso foco a todo instante. No geral, nos relacionávamos com pessoas com as quais realmente tínhamos afinidade. Aqueles com os quais queríamos realmente estar próximos. Marcávamos um almoço, fazendo uma ligação ou após um encontro ao acaso em algum lugar. Nossa casa era um templo, destinado às pessoas queridas.
Hoje em dia, muitas vezes ao se fazer um convite, mandamos uma mensagem pelo app ou pelas redes sociais, porque nem “falar”, falamos mais. E ao marcarmos algo, muitas vezes temos que inserir o convite em grupos, para ser “politicamente correto”, e assim acabamos convidando pessoas que em outras circunstâncias jamais convidaríamos para este estreitamento, simplesmente porque mal as conhecemos ou por não terem afinidade com nossa maneira de ser. Mas... ai de você se excluir alguém. Vai ser taxado, rotulado e mal visto.
Nesse contexto, vamos abrindo mão de sermos quem somos, vamos entrando numa dança forçada ditada pela sociedade, vamos nos anulando. Anulando nossas próprias vontades e desejos de fazer algo simples e prazeroso, por exemplo. E com isso, aparecem também outras questões, como ansiedade e estresse. Afinal, consumimos informações que não queremos, nos preocupamos com coisas que não precisaríamos, e aquele jantarzinho íntimo de sábado à noite de repente se transformou numa festa para 30 pessoas e agora há milhões de coisas para providenciar.
E aí também entra a questão de “o que o outro vai pensar” se as coisas não estiverem perfeitas? Fulano que mal conheço, mas que veio na minha casa porque está no grupo de sei lá o quê, vai pensar o que de mim se eu não tiver isso ou aquilo? E ciclano, então? Tenho que oferecer isso e aquilo para agradar um bando de pessoas que no fim das contas mal sei quem são. E nesse ritmo, o prazer de estar com um pequeno grupo de verdadeiros amigos para uma noite relaxante, vai por água abaixo. E para auxiliar ainda tem as “queridas” fotos e selfies que serão postadas por todos em tempo real. “Festa na casa de fulano!”. Imagina aquele outro que não foi convidado ver uma foto dessas (e ele vai ver) circulando por aí. Pronto! A inimizade está formada! Porque mesmo que o tal do outro não seja seu amigo, ninguém quer colecionar inimigos à toa por aí, não é mesmo?
A cada dia complicamos mais e mais as nossas vidas e nos vemos forçados por toda esta conjuntura e tecnologia a irmos na onda de regras sociais que vêm sendo implicitamente impostas. Nossas interações vêm sendo ditadas pelo externo e não mais pela nossa vontade interna de se relacionar. E nisso fica a pergunta: estas relações de fato atendem nossa premissa básica de convivência e relacionamento? Nos proporcionam alegria e bem-estar?
É importante nos voltarmos para dentro e analisar quais são verdadeiramente nossas vontades nesse quesito e tomarmos pé dos nossos comportamentos e das nossas relações, para que ao invés de sermos marionetes da vida, possamos estar no comando e sermos fiéis aos nossos reais desejos e necessidades.