O professor Demerval Saviani1, da UNICAMP (Brasil), produziu uma importante teoria educacional crítica: pedagogia histórico-crítica (doravante neste texto, PHC), que parte de um entendimento de que é papel da educação proporcionar transformações sociais que contribuam para a transformação da sociedade. A escola deve se preocupar com a conscientização de cada aluno em relação ao desempenho social na transformação de uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária.

A PHC apresenta uma abordagem educacional que busca compreender e transformar a realidade social. Desenvolvida entre 1970 e 1980 pelo autor em referência, essa pedagogia tem como base os princípios do materialismo histórico-dialético e da teoria crítica2:

[...] o método da pedagogia histórico-crítica procura incorporar os conhecimentos pedagógicos articulando-os com os modos de produção da existência humana.

O objetivo principal da PHC é formar indivíduos críticos e conscientes, capazes de compreender as contradições e as desigualdades presentes na sociedade e de atuar de forma transformadora. Para isso, propõe uma educação que promova a reflexão, o debate e a análise crítica da realidade.

Desta forma, um ser natural, o homem, torna-se obrigado, para existir, a produzir sua própria vida agindo sobre a natureza e transformando-a.

Uma das características fundamentais da PHC é a ênfase no ensino como prática social e política. Nessa abordagem, o processo de ensino e aprendizagem é entendido como uma relação dialética entre professor e aluno, em que ambos são sujeitos ativos na construção do conhecimento. Há a defesa por uma educação vinculada à realidade dos estudantes e às suas necessidades concretas. Isso significa que o conteúdo ensinado deve ter relevância social e cultural, promovendo o desenvolvimento integral dos alunos.

A PHC também estabelece uma crítica ao ensino tradicional, que reproduz as desigualdades sociais e perpetua uma educação alienante. Ao contrário, a PHC propõe uma prática pedagógica que seja democrática, participativa e emancipatória, capaz de romper com as estruturas de dominação e opressão presentes na sociedade:

O ponto de partida metodológico da pedagogia histórico-crítica não é a preparação dos alunos, cuja iniciativa é do professor (pedagogia tradicional), nem a atividade, que é de iniciativa dos alunos (pedagogia nova), mas a prática social (primeiro passo), que é comum a professores e alunos. Essa prática comum, porém, é vivenciada diferentemente pelo professor e pelos alunos. Enquanto o professor tem uma visão sistemática da prática social, ainda que na forma de síntese precária, a compreensão dos alunos manifesta-se na forma sincrética.3

Em suma, a PHC busca superar os limites da educação tradicional e contribuir para a formação de sujeitos críticos, capazes de transformar a realidade social. Mediante uma prática pedagógica pautada na reflexão, na análise crítica e na participação ativa dos alunos, essa abordagem educacional busca promover a emancipação e a justiça social.

Juntamente com a proposta de Paulo Freire para a educação, apresenta uma proposta de educação que vai muito além de apenas transmitir conhecimentos científicos. A educação para Paulo Freire e Saviani deve ser transformadora e contribuir para dinamizar a sociedade, tendo em vista a necessidade de se superar, ao menos parcialmente, as graves desigualdades sociais que existem no Brasil. Diferente de uma educação enciclopédica que valoriza apenas a transmissão de conhecimentos, a PHC defende que a educação deve conscientizar o estudante sobre a importância da prática social que apresenta a perspectiva do quanto é importante que busquemos, das mais diversas formas, respeitar os semelhantes e também exigir respeito, lutando para um mundo em que os direitos humanos sejam amplamente divulgados e respeitados.

Pensar numa educação emancipadora envolve pensar na formação de sujeitos autônomos que lutem por uma sociedade com menos desigualdades sociais e com maiores oportunidades para todos. A proposta de Saviani convida-nos também a pensar numa educação inclusiva que seja capaz de acolher a todos sem discriminação de qualquer espécie sempre buscando o respeito pela diversidade de habilidades nas mais diversas perspectivas. A partir da Conferência de Salamanca a educação abriu-se para debater amplamente sobre a inclusão e o pensamento da PHC contribui para pensarmos numa educação que não seja meramente enciclopédica, mas que esteja ligada com a preocupação da transformação social da realidade das pessoas, principalmente aquelas que muitas vezes estão excluídas da sociedade por diversos motivos.

Notas

1 Saviani, Demerval. Modo de produção e a pedagogia histórico-crítica. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 1, n. 1, p. 110-116. 2009.
2 Saviani, Demerval. A pedagogia histórico-crítica. Revista RBBA, v. 3, n. 2, p. 11-36. 2014.
3 Saviani, Demerval. O conceito dialético de mediação na pedagogia histórico-crítica em intermediação com a psicologia histórico-cultural. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 7, n. 1, p. 26-43. 2015.