Precisa acabar com essa história de achar que a cultura é uma coisa extraordinária. Cultura é ordinária! Cultura é igual feijão com arroz, é necessidade básica. Tem que estar na mesa, tem que estar na cesta básica de todo mundo...
(Gilberto Gil)
Por que algo que nos rodeia e está disponível a toda hora e em qualquer parte do mundo é, na maioria das vezes, ignorado ou posto à margem do plano econômico? Por que alguns estilos de arte são considerados mais nobres que outros?
É difícil redefinir o valor atribuído à cultura porque envolve uma mudança de mentalidade em massa. Tudo isso está relacionado com a possibilidade de acesso. Quanto mais comercial, mais acessível e maior o público. Quanto mais complexo, menor é o público e maior a demanda de conhecimento para a percepção do objeto artístico. A inclusão cultural depende também da formação do público consumidor e da distribuição e investimento em eventos e atividades referentes à cultura.
Existe tanto a falta de interesse de um grande número de indivíduos quanto uma certa arrogância dos intelectuais. Este fator faz com que a cultura se distancie ainda mais da massa e não se torne o “feijão com arroz”, citado por Gilberto Gil. O ideal seria sabermos lidar com todo tipo de arte. Lidar com respeito. O objetivo dos artistas nem sempre é agradar; por vezes, é desagradar e incomodar. Pode ser que tornar o comercial fútil e o erudito tão inacessível também seja uma barreira. Claro que é impossível igualar as estéticas e tudo depende de quão grande é o público para poder existir investimento. Mas se a literacia artística fosse acessível como são as demais áreas, como a matemática, as ciências e a geografia, provavelmente haveria esse investimento e visibilidade nos planos de governo.
Outro fator determinante para classificar se determinado gênero é acessível ou não é a sua bagagem histórica. Um exemplo disso é o jazz, influenciado pelo blues, proveniente de um povo escravizado que cantava enquanto trabalhava nas fazendas. Outro exemplo é a bossa nova, influência do samba que também descende de um povo escravizado que se refugiou nos morros. Em ambos os casos, houve uma interferência por parte de intelectuais, tanto no blues quanto no samba, que resultaram, muito cruamente, no jazz e na bossa nova.
Diante de tantas questões, é difícil deixar de questionar em que degrau das nossas prioridades colocamos o teatro, as artes plásticas, a música, o cinema e as demais artes. Consumimos tudo isso diariamente e, ao mesmo tempo, achamos demasiado caro pagar 10€ para assistir a um espetáculo. Valorizamos a alta culinária que nos sacia a fome, mas continuamos a esvaziar a nossa alma trocando as telas por uma ida ao teatro ou a qualquer outro lugar que seja do agrado do leitor.
Se perguntássemos quem seria o maior influente na democratização da cultura, a resposta seria: o Poder Público. Mas claramente não adiantaria quantas iniciativas fossem sem um olhar carinhoso do Governo. Infelizmente, 90% dos municípios no Brasil não têm sequer um teatro (dados do IBGE).
Qualquer investimento de qualquer parte é bem-vindo e é extremamente importante mantermos vivo este tipo de debate.
A cultura deve ser encarada como um direito inalienável, tão vital quanto o ar que respiramos. A democratização do acesso à cultura não só enriquece individualmente, mas também fortalece as sociedades, promovendo um entendimento mais profundo e uma maior empatia entre seus membros. Portanto, é urgente que repensemos e reestruturemos nossas políticas culturais, tornando-as inclusivas e verdadeiramente representativas da diversidade humana.
Nesse contexto, cabe-nos questionar e desafiar as estruturas existentes, incentivando uma participação mais ativa e consciente na vida cultural. Ao tornar a cultura mais acessível e menos elitizada, podemos começar a vê-la como parte integrante da educação e do desenvolvimento humano, essencial para a construção de comunidades mais resilientes e informadas.