Com o artigo deste mês pretendo realizar uma pequena análise à obra de Nuno Severiano Teixeira e António Costa Pinto, Portugal e a Integração Europeia: 1945-1986. Esta obra é de leitura indispensável para quem pretende estudar, ou meramente aprofundar conhecimentos sobre este período importantíssimo da vida política portuguesa. A minha análise procura dar a conhecer o pensamento destas duas personalidades especialistas na matéria, enquanto lhe mostro, caro(a) leitor(a), as bases da integração de Portugal na Europa, ao fim de 843 anos de existência (1143-1986).
Tendo em conta o conteúdo do texto, podemos começar por afirmar que, a nível político, a viragem pro-europa que se verificou em Portugal foi essencialmente uma consequência da descolonização e da instituição da democracia.
António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros de Portugal entre 1932-1968, tem a visão de um país voltado para o Atlântico e não para a Europa. Como consequência, vai privilegiar as antigas relações com Inglaterra e com o império colonial português em África. A dificuldade em aceitar os Estados Unidos da América (EUA) como nova grande potência marítima e mundial, bem como a constante negação de descolonização e da importância crescente de diplomacias multilaterais, fazem com que haja um afastamento da política externa salazarista em relação à Europa.
Em 1947, surge por parte dos EUA a proposta do Plano Marshall, mas Salazar vai recusar todas as cooperações europeias e ajudas financeiras que dele advêm, uma vez que no decorrer desse ano Portugal estava equilibrado no que respeitava ao plano económico-financeiro e pelo facto de ser um sistema de pagamentos bilateral (e não multilateral). No entanto, em 1948, as finanças, a situação cambial do país e o início da Guerra Fria, fazem com que Portugal assine com os norte-americanos o acordo das Lajes (base militar nos Açores) e aceite o Plano Marshall (mas já sem os mesmos dividendos económicos).
Tal como indicam os autores, podemos afirmar que o Programa de Recuperação Europeia acaba por ser positivo, pois ajudou a uma maior estabilidade financeira e fez com que Portugal participasse em várias instituições de cooperação económica e de defesa. Em termos de cooperação política, devido à natureza autoritária do regime, não há qualquer tipo de aproximação à Europa.
Nos anos 50, Salazar acaba por aceitar o domínio atlântico dos EUA mas, em termos europeus, continua a seguir os passos de Inglaterra. Assim sendo, Portugal acaba por ficar arredado de todos os movimentos de integração europeísta (CECA, CPE, CED). Em 1956/57, a Inglaterra propõe a Zona Europeia de Comércio Livre, contudo, Charles de Gaulle põe termo a essas negociações em 1958, ano em que entrou em vigor o Tratado de Roma - Tratado Constitutivo da CEE e da EURATOM. Os vetos do então Primeiro-ministro francês à entrada da Grã-Bretanha na CEE prendem-se, eventualmente, com o facto de a França não querer mais uma grande potência na Comunidade liderada por franceses e alemães (República Federal Alemã).
Em 1960, Portugal acaba por ser membro fundador da EFTA (European Free Trade Association), instituição que incorporava todos os países ‘marginalizados’ pela CEE. A EFTA também acaba por ser positiva para os interesses portugueses uma vez que o seu modelo de criação de uma área de comércio livre favorecia a relação com as colónias africanas, aspeto crucial para o Presidente do Conselho de Ministros português.
No início da década de 60, com a chegada de John F. Kennedy à presidência dos EUA, a política de descolonização assume contornos preocupantes para Salazar, sendo o bloco soviético e o afro-asiático os mais contestatários. No entanto, o facto de Portugal ser membro da NATO, serviu como ‘escudo protetor’ para a estabilidade do regime ditatorial português.
A Guerra Colonial que se começava a verificar acabou por desviar fundos monetários de outras áreas, como a educação e infraestruturas, sendo que no final da década de 60 as colónias já representavam um peso negativo na despesa pública portuguesa. Esse fator, em conjunto com a entrada na EFTA, fez com que Portugal afastasse os seus produtos do continente africano para a Europa. De forma a exemplificar melhor o peso europeu em termos económicos nesta época, podemos verificar que a emigração portuguesa começa a surgir em massa no ‘velho continente’, principalmente com destino a França.
É neste contexto que, em 1968, Marcelo Caetano herda de Salazar o cargo de Presidente do Conselho de Ministros. De referir que a visão de Caetano não diferia muito da do seu predecessor, apesar da designada Primavera Marcelista. A conjuntura internacional é que se apresentava bastante diferente no final da década de 60. Em 1969, a economia e política portuguesa sofrem um novo abalo com o pedido de adesão à CEE por parte do Reino Unido e subsequente saída da EFTA - após saída da cena política de Charles de Gaulle. Em Maio de 1970, Portugal vai encetar negociações com a CEE, no entanto, mais uma vez devido à natureza ditatorial do regime e pelo facto de ainda ser um país colonizador, a única alternativa foi um acordo comercial com a Comunidade (Julho 1972). Este acordo surge na sequência do enfraquecimento da EFTA e exigia um grau mínimo no que respeitava ao empenhamento político.
Como conclusão das políticas externas portuguesas do período respeitante aos anos entre 1945/74, podemos afirmar que Portugal recusou sempre qualquer modelo de supra nacionalidade e procurou até ao fim manter a sua política colonialista. A Europa acaba por surgir, não como um ideal do regime do Estado Novo, mas sim como uma necessidade.
Com o golpe militar de 25 de Abril de 1974, surge a abertura para a democratização portuguesa e a descolonização africana. A CEE acabou, neste período, por fornecer algum apoio económico a Portugal. Em termos de políticas internacionais, a partir de 1974, Portugal tinha de assegurar dois pontos: o fim do ciclo colonial e o restabelecimento das relações diplomáticas com todos os países.
De referir que, no período revolucionário que se seguiu ao golpe militar, surgiram tentações de políticas externas terceiro-mundistas (relações privilegiadas com as antigas colónias). Contudo, com o I Governo Constitucional de Portugal (23 de Setembro de 1976), sob a liderança de Mário Soares, o país assume a sua condição de nação ocidental com vertentes atlânticas e europeias.
Em Março de 1977, surge o pedido de adesão à CEE. Através da entrada na Comunidade, o governo português esperava ver uma consolidação da democracia e uma modernização e desenvolvimento económico do país. Não obstante, foi necessário esperar sete anos para que o processo se concretizasse. A instabilidade económica e governamental portuguesa não favoreceu a entrada na CEE. Em termos internos, o I Governo Constitucional, através da revisão constitucional de 1982, consagrou definitivamente a subordinação das Forças Armadas ao poder político e, no que respeita à natureza externa, a adesão apenas se podia concretizar se Portugal entrasse em conjunto com Espanha, o que fez com que o processo fosse ainda mais moroso.
No dia 1 de Janeiro de 1986, Portugal tornava-se, finalmente, membro de pleno direito da Comunidade.
A vertente defendida por partidos políticos de direita e de centro-esquerda (casos do PPD/PSD, CDS e PS) focava a ideia de que Portugal devia reforçar a sua dimensão atlântica e ter uma aproximação ao bloco ocidental e à Europa. A continuação na NATO e a adesão à CEE, rompiam tanto com a política colonial como com o isolacionismo. A linha comunista, que compreendia uma aproximação à URSS e era dotada de uma certa ambiguidade em relação à política externa portuguesa, a partir de 1986, evoluiu para uma posição mais moderada continuando, todavia, a sua luta pela revisão dos tratados.
Como notas finais deste artigo, devo referir que o processo que levou à integração de Portugal na CEE teve uma participação ténue da sociedade civil. Os setores industriais receberam de bom grado esta adesão, enquanto a nível sindical houve uma divisão entre quem era contra (Intersindical – PCP) e quem era a favor (UGT – associada ao PS e ao PSD).
Os anos oitenta ficaram caracterizados por quatro pontos importantes: litoralização da população, urbanização, quebra da população agrícola e consequente aumento da taxa de escolarização. Além disso, surge uma consolidação da democracia e, como pudemos verificar, a adesão à CEE que, por sua vez, se traduz num maior desenvolvimento económico do país. Há ainda a referir que, a partir de Abril de 1974, as relações bilaterais com Espanha mudaram. Surge um novo período que pressupõe o entendimento quanto às políticas a serem tomadas.
Segundo os autores e os estudos de opinião pública por eles consultados, os portugueses não sentiram a perda da sua identidade com o fim do império colonial nem com a adesão à CEE. Esta obra de Nuno Severiano Teixeira e António Costa Pinto insere, de forma simples e concisa, todo o processo que ladeou as relações externas de Portugal desde o final da II Guerra Mundial, e subsequente início de uma nova visão da Europa, até à Revolução de Abril e posterior adesão à CEE, já com o X Governo Constitucional português, chefiado por Aníbal Cavaco Silva.
Confio que através deste artigo tenha, de certa forma, contribuindo para o elucidar sobre a integração europeia portuguesa. Espero também ter despertado o seu interesse para a leitura desta obra excelente obra de Nuno Severiano Teixeira e António Costa Pinto, Portugal e a Integração Europeia: 1945-1986. Boas leituras!