A Ilha de Itaparica é formada por dois municípios: Itaparica e Vera Cruz. Os avós dos meus primos moravam em Jiribatuba ou Jiriba em sua forma mais carinhosa, uma localidade do município de Vera Cruz. Na infância, às vezes, passava parte das férias com eles por lá. Além da pescaria, da arriscada brincadeira de pular da antiga ponte enferrujada, de entrar na mata para pegar caju e de assar as suas castanhas no quintal da casa, uma outra recordação é muito querida desta época: a venda!
O avô dos meus primos tinha um daqueles antigos armazéns que vendiam todo tipo de coisa para uma localidade do interior. Eram pequenos estabelecimentos que vendiam cereais, enlatados, bebidas e xaropes diversos, produtos de higiene, bomboniere, variados itens para as necessidades domésticas. Eram os pequenos mercados de antigamente.
O armazém ficava ao lado da sua residência, de forma que podíamos acessá-lo desde a sua porta principal da frente como também pelos fundos através do quintal da casa.
Tudo no armazém nos impressionava. Aqueles balcões e armários de madeira e os enormes sacos de cerais. Entre o final dos anos 70 e início dos anos 80 tudo aquilo para nós, de Salvador, já parecia ultrapassado, portanto, divertido, quase uma outra brincadeira. Pesar os cereais era o divertimento que mais gostávamos, pois se utilizava aquelas balanças de pêndulo, onde os cereais ficam de um lado e os pesos do outro.
Normalmente o avô dos meus primos não gostava que entrássemos na venda, então esperávamos a hora da sua sesta, quando uma das suas filhas ficava à frente da venda, para brincar de donos do armazém e atender a clientela e, o melhor é que elas sempre nos entregavam nossa recompensa através de doces e bombons.
Guardo uma recordação ainda mais especial do avô dos meus primos e de tantos outros donos desses pequenos armazéns do passado: a habilidade para lidar com a sua clientela, o raciocínio lógico e rápido, principalmente para fazer contas! Atributos que parecem faltar hoje em dia na grande maioria dos estabelecimentos comerciais apesar de sermos atendidos por pessoas que, em teoria, possuem uma escolaridade maior do que a daqueles velhos senhores donos de armazéns.
No presente, entramos numa loja e, muitas vezes somos atendidos por semizumbis. Fazemos uma pergunta e, mal largam os seus aparelhos celulares e prontamente respondem que só tem aquilo que está exposto ou então que seria melhor procurarmos na plataforma da loja na internet (!!!). Fico sempre imaginando: Será que aboliram a comissão por vendas?
Quase não utilizamos papel moeda hoje em dia. Mas, façam uma experiência. Tentem utilizar um dia desses. Fazer uma compra com frações e sugerir entregar uma nota alta e a fração correspondente depois, tipo uma compra de R$ 12,50 e entregar uma nota de R$ 50,00, duas moedas de R$ 1,00 e uma de R$ 0,50. O Caixa parece entrar em desespero. Te olha assustado! Sabe por quê? No momento que ele viu a nota de R$ 50,00 digitou no computador que seria aquela nota, o computador forneceu o valor do troco e como você aparece com a fração, ele não sabe mais o que fazer. É como se “bugasse”! Ou o sistema da loja não permite fazer esta alteração.
O que penso nestes momentos? Saudades da venda de Jiriba!
E quando para fazer as atividades mais básicas e simples do mundo alguém te fala “Baixe o aplicativo!” Vou confessar algo: Nós, 50+, odiamos a overdose de apps!
Você quer agendar um traslado para o aeroporto, mas, por segurança, prefere utilizar os tradicionais taxis do aeroporto. O que descobre? Que tem que baixar um aplicativo para solicitar o taxi!
Você quer comprar um ingresso de cinema pela internet. O que descobre? Que precisa baixar um aplicativo antes!
Quer participar da Promoção de Natal do shopping. O que precisar fazer antes? Baixar o aplicativo!
A lista é infindável, mas talvez a sua paciência ou memória do seu celular não o seja!
Costumo brincar que um dia desses necessitaremos de um app para respirar ou para ir ao banheiro.
Ah! A relação bancária é um capítulo à parte. Hoje em dia o gerente da sua conta é, praticamente, o app. Tente solicitar algo para a gerente de relacionamentos. A primeira resposta que obterá será: Você já viu no aplicativo? O gerente virou um tutorial de utilização do app.
Na geração dos nossos pais, o gosto pelo Rock foi um grande divisor de gerações, o que os diferenciava dos nossos avós. Talvez, um dos grandes divisores da nossa geração com a dos nossos filhos é que a conta corrente bancária deles é virtual e, eles não entendem essa coisa de gerente de relacionamentos ou agência bancária. Nos olham com cara de assustados quando utilizamos esses termos. Estou quase seguro, que agências bancárias ou os tradicionais gerentes de relacionamento é algo em vias de extinção! Ou se transformarão em vintage!
Entendo que os apps nos auxiliem em diversas tarefas diárias, mas o excesso deles me soa quase como uma prisão tecnológica.
Voltando novamente um pouco no tempo, para o final dos anos 90, quando a tecnologia de sistemas integrados começou a surgir nos estabelecimentos comerciais.
Nesta época morava no Rio de Janeiro e um amigo me convidou para o seu aniversário. Normalmente, comemoro os meus aniversários entre sexta e domingo, independente de já ter ocorrido ou não. Não costumo fazer nem participar de festas ao longo da semana útil de trabalho, pois na sequência me sinto muito cansado. Mas este meu amigo é uma dessas pessoas que só comemoram no próprio dia e, neste caso, o próprio dia era dentro da semana útil. Para completar a comemoração seria na Barra da Tijuca e morávamos na Zona Sul.
Da Zona Sul do Rio para a Barra da Tijuca é necessário atravessar um grande túnel entre o Leblon e São Conrado, que chamamos de Túnel Dois Irmãos (Túnel Zuzu Angel) e outros túneis e o Elevado do Joá entre São Conrado e a Barra. Às vezes, em um dia da semana à noite, algum túnel é fechado para limpeza e manutenção. Quando isto ocorre, as alternativas de retorno são a Estrada do Joá e a Avenida Niemeyer, que sempre me geravam uma apreensão adicional de segurança, pois são vias mais estreitas, com curvas e de velocidade menor.
Fiz todas estas ressalvas ao meu amigo, mas lhe disse que como ele era muito querido estaríamos por lá.
A comemoração, ou a tentativa, ocorreu num famoso bar à época. Não farei propagandas, boas ou ruins. Aliás, confesso que nem sei se ainda existe. Chegando por lá encontramos ele e outros amigos e tudo parecia ir bem até solicitarmos uma bebida e algo para comer, quando fomos informados pelo garçom que não poderia nos atender naquele momento, pois estavam sem sistema.
Alguns minutos se passaram e fizemos uma nova tentativa, recebendo a mesma resposta. Nossos amigos, que já estavam a mais tempo, também estavam com o mesmo problema. O tempo passa e a vontade de beber algo alcoólico se transforma em pura sede. Agora necessitávamos apenas de água. Volto a chamar o garçom e recebo a mesma resposta. Já sedentos e sem paciência resolvemos ir embora. Nos despedimos cordialmente do nosso amigo e caminhamos em direção a porta de saída.
Na saída somos informados que precisaríamos validar o nosso cartão no Caixa. Nos dirigimos até o Caixa e somos informados que não seria possível encerrar a conta pois estavam sem sistema. Tento em vão dizer que não consumimos nada, que estávamos apenas com sede e precisávamos sair. Sigo recebendo a mesma resposta: o estabelecimento está sem sistema.
Já cansados, irritados, frustrados e com muita sede nos posicionamos cerca da porta de saída. Num momento em que o segurança abre a porta por alguma razão, puxo minha esposa pelo braço e saímos apressado por aquela brecha. Praticamente uma fuga! Imediatamente, um segurança de 2 metros de altura aparece atrás de mim, me pega pelo braço e fala que precisaríamos voltar.
O resto da paciência termina! Começo a gritar mil palavrões, mando ele soltar o meu braço, informar que não regressaríamos, que estaríamos bebendo água na lanchonete da esquina, que ele fosse conversar com o gerente e nos procurasse lá depois. Com toda a raiva, confusão e mil berros que eu dava percebo que, sem querer, acabo salivando. O segurança limpando suavemente o rosto me fala: “O senhor já está partindo para ignorância!”.
Neste momento percebo o ocorrido e até me parece engraçado a possível interpretação equivocada que o segurança pode ter tido com aquela saliva. Respiro fundo e volto a falar mais calmamente: Estaremos na lanchonete da esquina. Por favor, converse com o seu gerente e retorne aqui. Não iremos embora até que você conclua com ele, mas precisamos beber água. Minutos depois ele retorna e nos informa que está tudo resolvido. Que não precisaríamos regressar nem pagar nada.
Até hoje toda aquela situação me parece surreal! Ficava imaginando que aquilo só poderia ter sido uma pegadinha que em algum momento eles a revelariam. Difícil de acreditar que um estabelecimento que era tão famoso e procurado naquela época não tivesse uma forma alternativa de atender aos seus clientes em caso de uma pane no sistema.
Só me resta pensar: Saudades da venda de Jiriba!
Ah! No retorno para casa fomos surpreendidos pelo Túnel Dois Irmãos fechado, o que nos obrigou a retornar pela Avenida Niemeyer. Mas, já é uma outra história.