Zygmunt Bauman é muito feliz em suas análises sobre a modernidade líquida na contemporaneidade. Trabalhando com educação, vemos o quão líquido é, principalmente, o mundo das novas gerações. Evidentemente, isso não é um juízo de valor, mas um diagnóstico realizado pelo sociólogo polonês.

Nessa sociedade líquida, tudo que era sólido se derreteu, e vivemos num contexto em que, das mais diferentes formas, aquilo que era estável simplesmente não existe mais. Assim, existe o amor líquido, que não sobrevive a alguns momentos de tensão próprio da vida amorosa.

O mundo da internet favoreceu essa liquidez na sociedade em que vivemos. No mundo do Facebook, por vezes, trocamos de amizades muito facilmente, com a mesma facilidade que adicionamos alguém, também excluímos de nossas redes sociais. Diante da liquidez contemporânea, nos vemos, por vezes, perdidos, sem referenciais a adotar diante dos diversos caminhos que podemos tomar. Não há uma falta de escolha, mas uma grande pluralidade de escolhas. São tantas, que as pessoas se sentem perdidas.

Num artigo que escrevemos recentemente, destacávamos a relação entre consumismo e modernidade líquida nos seguintes termos:

Nessa perspectiva, o conceito de modernidade líquida relaciona-se a outro conceito que investigamos, o do consumismo que, segundo nossa leitura, impõe-se como um dos sintomas da sociedade líquida. Trata-se de uma sociedade que busca consumir cada vez mais. Com o avanço crescente da tecnologia, também se percebe que os produtos se desatualizam, perdem a “validade” diante do novo que, continuamente, surge com uma nova tecnologia e às pessoas lhes resta substituir o objeto tão ansiado por outro, mais atualizado. As pessoas tornam-se escravas do consumismo, e, doloroso, não só do consumo, mas também do trabalho. Impõe-se trabalhar mais, para ganhar mais dinheiro, para poder comprar e pagar pelos produtos que consideram necessários para a vida.1

Como sintoma dessa sociedade em que as pessoas perdem o sentido da vida porque se perdem na fluidez da existência, está o consumismo. O consumo em si não é negativo, mas, quando ele se torna uma obsessão para buscar superar um vazio que nunca se preenche, temos algo que pode se tornar prejudicial não apenas para o indivíduo, mas para toda a sociedade.

O consumismo acaba levando o indivíduo a trabalhar demais para poder pagar as contas, o que pode gerar uma doença mental de grande impacto na vida das pessoas. Assim, quando se transfere o sentido da vida ao consumo, a sociedade se torna escrava dos bens materiais e se fecha para o transcendente.

Nesse contexto, pode surgir a depressão enquanto sintoma de uma sociedade que perdeu sua identidade sólida e tem dificuldade de encontrar sentido para entender o próprio fenômeno da liquidez. A liquidez é, sem dúvida, um sinal de que os referenciais metafísicos não encontram mais respaldo para serem validados. Quando não há referenciais metafísicos (para além da física, os grandes ideais de valores transcendentais), a vida humana precisa se relacionar diretamente como o concreto, com grande dificuldade em encontrar uma razão para viver.

Há várias formas de entender a depressão. Uma delas é pela via psicanalítica, pensando a presença de um vazio existencial. Sem mais referenciais, prevalece o individualismo; as pessoas se sentem deslocadas e sem um sentido para viver. Quando não se tem uma razão para viver, há dificuldades em se encontrar forças para isso. Aqueles que estão deslocados do mundo do consumo por conta da pobreza não se sentem valorizados num mundo muito material.

Nesse contexto materialista, vemos surgir grandes discursos, inclusive religiosos, que transformam tudo em mercadoria. Os líderes religiosos são grande propagadores (com exceções, é claro) de um discurso vinculado à teologia da prosperidade, como se as religiões fossem apenas um caminho para agregar mais bens (desde que, é claro, se pague religiosamente o dízimo...).

A religião da gratuidade, problematizada na Bíblia no Livro de Jó, perde espaço para uma visão de prosperidade. Evidentemente, a pobreza extrema é antirreligiosa também, mas quando a religião se volta apenas para os aspectos materiais, na realidade, perdemos o foco nos valores transcendentais.

Enfim, esses novos contextos são desafiadores para nós e para toda sociedade buscarmos rumos dentro da liberdade humana. Diante desse fenômeno da modernidade líquida, somos convidados a pensar o quanto ela impacta a nossa vida.

Sem dúvida, alguém pode dizer que vivemos ainda numa modernidade sólida, afinal, a apreensão do real é sempre subjetiva, mas o diagnóstico de Bauman aponta no sentido de uma sociedade que se liquefaz constantemente. Resta-nos ressignificar nossa existência, buscando dar sentido a ela.

Existem as mais diversas interpretações da realidade, e este artigo buscou apontar apenas uma delas, entender o fenômeno da depressão como não apenas individual, mas de toda uma sociedade do século XXI.

Notas

1 Gabriel, F. A.; Pereira, A. L.; Gabriel, A. C. Modernidade líquida e consumismo no pensamento de Zygmunt Bauman. Revista Intersaberes, v.14, n. 33, p.698, 2019.