Petrópolis é uma cidade brasileira conhecida pelas suas belezas naturais, clima ameno, colonização alemã e por ser a “cidade imperial” do estado do Rio de Janeiro, já que abrigou a residência de verão do Imperador D. Pedro II – e que hoje tornou-se o Museu Imperial - durante a Monarquia no Brasil. Porém, também é nacionalmente conhecida pelas tragédias que a abatem há muitos anos, com chuvas fortes, alagamentos e grandes deslizamentos de terra.
Infelizmente, a urbe de Pedro não é solitária na lista de localidades brasileiras que sofrem com os desastres climáticos: segundo o levantamento da Confederação Nacional dos Municípios, realizado a pedido da CNN, 5,8 milhões de brasileiros foram diretamente afetados em 2023 pelas secas e chuvas, incluindo mortes, desalojamentos e grandes perdas econômicas.
Em 2022, Petrópolis viveu um de seus mais tristes episódios: um drama que deixou aproximadamente 4 mil desabrigados e mais de 230 mortos. Um verdadeiro cenário de guerra se instalou após as chuvas de fevereiro e março daquele ano e sem dúvida um dos epicentros da catástrofe foi o chamado Morro da Oficina, comunidade pertencente ao bairro petropolitano Alto da Serra.
O Morro da Oficina possui esse nome graças às oficinas instaladas na região ainda no século XIX e que eram aparelhadas para os mais diversos consertos e manutenções dos vagões que subiam a hoje conhecida como Serra Velha, através da Companhia Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará, via férrea que efetivamente ligou a cidade do Rio de Janeiro a Petrópolis pelos trilhos.
Logo após a primeira grande chuva de 2022, recebi um convite de uma emissora de televisão para comentar brevemente, enquanto historiadora e moradora da cidade, acerca dos prejuízos causados pela tragédia ao patrimônio histórico petropolitano. Ao conversar com os responsáveis pela gravação, percebi que o objetivo era refletir sobre possíveis estragos aos monumentos mais conhecidos, o que naquele momento ainda não havia sido levantado de maneira mais detalhada. Preocupavam-se com os documentos perdidos, móveis quebrados e peças de museus estragados. De fato, tal preocupação é extremamente relevante e diante do contexto, após alguns dias, percebemos que os danos nesse campo ocorreram e pela situação geral poderiam até ter sido maiores. Mas aquele convite me fez refletir sobre o quanto o Morro da Oficina, marcado pela perda de vidas, casas e histórias naquele momento, era também atingido enquanto patrimônio histórico que de fato é. Aquele lugar, além de uma comunidade petropolitana, também é abrigo da memória trabalhadora e ferroviária de uma cidade que é mais que seu chamado centro histórico.
Parte fundamental da história petropolitana sob trilhos é imprescindível para compreensão das grandes obras de infraestrutura, vias de comunicação e abastecimento consolidadas ao longo da segunda metade do século XIX no país, o Morro da Oficina é parte negada da identidade local, que ainda hoje insiste numa imagem que evidencia sua herança monárquica e marginaliza a história de seus trabalhadores. Ainda timidamente, narrativas que evidenciam a cidade a partir de novos protagonistas - negros, quilombolas, trabalhadores etc. – começam a surgir, acompanhando um movimento nacional e internacional que cada vez mais se consolida, mas é fato que ainda há muito para caminhar nesse sentido.
É necessário colocar lentes para reavivar e reconstruir a autoestima daqueles que constituem espaços como o Morro da Oficina, demonstrando que as águas e chuvas nunca serão capazes de apagar o quanto a localidade é importante para o entendimento sobre o desenvolvimento técnico local e nacional. É urgente reconstruir a narrativa sobre o Morro da Oficina para além de seus problemas e perdas. É fundamental contar a história dos mais diversos municípios brasileiros sob nova ótica, a partir de vozes que durante muito tempo foram silenciadas ou ignoradas; e compreender que planejamento urbano e comprometimento político para o combate aos desastres climáticos urbanos que tem nos assolado é preservação da vida, das moradias e da nossa História.