Criado em 2016, o TikTok viu a sua popularidade explodir em 2020 durante a época da pandemia causada pela Covid-19. Diversos artistas, celebridades e influenciadores migraram para a plataforma que cresceu de maneira gigantesca nos últimos 3 anos. O TikTok se tornou um fenômeno tão grande que começou a afetar até outras indústrias, uma delas sendo a indústria musical.
O imediatismo que as redes sociais trouxeram para a nossa vida não é uma coisa recente, mas desde a pandemia que paralisou o mundo em 2020 essa sensação de ter as coisas de forma imediata, de não se perder tempo, com precisar viver a vida sempre no 220v cresceu de forma assombrosa na sociedade. Se antes era apenas a geração nascida depois de 2010 que tinha mais arraigado esse imediatismo, depois do Corona Vírus, isso se espalhou para a sociedade em geral.
Esse imediatismo já se mostrava, por exemplo, no youtube e na opção de acelerar um vídeo em 2x, contudo, isso se espalhou para as plataformas de streaming, onde temos pessoas assistindo episódios de séries com essa velocidade para “poupar tempo”. Na indústria musical isso se refletiu no tempo de duração das músicas que hoje em dia mal chegam aos 3 minutos de duração, mas a pergunta que fica é, o que o TikTok tem a ver com tudo isso?
A resposta é simples, o TikTok traz exatamente o imediatismo, uma quantidade absurda de conteúdo e o consumo de mídia de forma rápida que a geração mais nova, e a sociedade pós-pandemia, procura. Contudo, o que já era um problema que estava começando na indústria da música, o TikTok praticamente o acelerou de forma exponencial.
Quando a cantora Ariana Grande lançou seu álbum Positions em outubro de 2020, uma das críticas ao álbum foram a duração das músicas, a maioria mal chegando aos 3 minutos de duração. Além disso, outros artistas começaram a aderir a essa nova “moda” de músicas mais curtas e começaram a lançar EPs (Extended Play), álbuns com músicas que, em sua maioria, tinham dois minutos e meio.
O TikTok praticamente popularizou os Dance Challenges em sua plataforma e, sendo vídeos curtos, quanto menor o tempo das músicas mais elas se encaixam no perfil dos vídeos do TikTok. Somado a isso, produtores, cantores e compositores começaram a focar mais em batidas que chamem mais atenção (principalmente no refrão), letras chiclete (na maior parte das vezes com a profundidade de um pires) e de curta duração.
Essa prática está afetando a indústria musical de uma forma bem negativa, pois a música deixou de ser tratada como uma arte e passou a ser um produto para se tornar viralizável nas redes sociais. Não apenas a duração das músicas foi afetada, mas o próprio conceito na hora de se criar álbuns passou a ser descartado em prol de singles que viralizem.
Enquanto no ocidente os artistas aumentaram a tendência de lançarem apenas singles para serem hits e para viralizarem (especialmente no TikTok), no oriente, principalmente no k-pop, a prática das “micromúsicas” se tornou extremamente popular entre os produtores e empresas, não só isso como a coreografia agora é praticamente voltada para os Dance Challenges do TikTok.
Um dos maiores exemplos dessa tendência é o grupo Newjeans que em seu mais recente EP tem uma duração de aproximadamente apenas 12 minutos, EP esse que conta com uma introdução e interlúdio, deixando o EP com praticamente apenas quatro músicas de fato. O grupo IVE, que já tinha tendências a músicas mais curtas, em seu mais recente EP I’VE MINE abraçou a prática e lançou o EP com 6 músicas em que a maioria não chega aos 3 minutos de duração.
Não apenas grupos, mas artistas solos também têm adotado a prática, como se pode notar no mais recente EP do cantor D.O (Exo) e no álbum da cantora Wheein (Mamamoo) em que a maioria das músicas tem duração curtíssima.
O fato da indústria musical estar tentando se moldar a uma rede social é extremamente preocupante, tanto para a qualidade das músicas como para a indústria como um todo. Antes tínhamos cantores lançando seus álbuns como peças de arte montadas a partir de um conceito que o artista havia pensado, entretanto, hoje em dia raramente temos algum artista da esfera mainstream lançando um álbum musical.
Álbuns como Blackout (Britney Spears), Ray of Light (Madonna) e Lemonade (Beyoncé), para darmos só alguns exemplos, não foram criados para terem hits, mas sim para contarem uma “história”, sejam pelas suas letras mais pessoas, seja pela coerência musical do álbum ou seja por tudo junto, eles eram feitos como se fossem obras de arte, lucrativa para a gravadora, mas ainda sim eles possuem uma coerência artística em sua composição.
Entretanto hoje em dia os álbuns são tratados como uma junção de singles que foram lançados e algumas músicas inéditas que mal tem uma coerência musical entre elas. Se antes tínhamos álbuns de um gênero X com variações desse gênero no álbum, hoje temos álbuns que são uma junção de diversos gêneros que não possuem nenhuma conexão entre eles.
Katy Perry na época do seu auge já sofria críticas por conta de seus álbuns serem apenas uma coleção de hits e não terem força como obras, porém, mal sabiam os críticos que o que antes eles tanto criticavam acabaria se tornando uma prática quase obrigatória na era do TikTok.
A indústria do k-pop é ainda mais complicada de se avaliar, pois se no ocidente essa transformação de arte para produto viral aconteceu de forma crescente com o passar das décadas, o k-pop já nasceu como um produto para a Coreia do Sul, por isso, não é nenhuma surpresa que ao se tentar analisar um EP ou álbum de k-pop (principalmente de grupos) não se consiga encontrar uma coerência musical neles.
O principal para as empresas é o “conceito” que o grupo vai ter em seu comeback, por isso, elas não estão preocupadas se o álbum vai ou não seguir algum estilo musical ou as músicas vão conversar entre si, afinal o chamariz de vendas para as empresas vão ser:
- Popularidade do grupo;
- Popularidade do single que foi lançado;
- Na embalagem do álbum em si (como um colecionável).
O conteúdo musical deles é praticamente deixado em último plano. Vamos pegar como exemplo o já citado EP recém lançado pelo IVE. Primeiramente a empresa lançou Either Way como single promocional e lançou Off the Record como o single do álbum, contudo, apesar das duas músicas conversarem entre si, elas são de um conceito menos dançante e mais conceitual, por isso, junto com o lançamento do EP a empresa lançou Baddie praticamente como um carro chefe do EP em substituição a Off the Record.
Baddie acabou por ser tudo o que a era TikTok mais procura em uma música, refrão chiclete, coreografia para o Dance Challenge, música de curta duração e um conceito girlcrush. Contudo, a música em nada tem a ver com os dois singles lançados anteriormente, pior ainda, a própria capa do EP (com um coração com marcas de garras) foge do tema mais conceitual e intimista de Either Way e Off the Record.
As outras três músicas do EP (OTT, Holy Moly e Payback) também não tendo nada a ver com o conceito dos dois primeiros singles lançados, “Holy Moly” sendo mais na coerente conceitualmente com Baddie e OTT e Payback não se encaixando nem com o conceito mais intimista de Off the Record e nem com o conceito girlcrush de Baddie.
O que eu quero mostrar com essa microanálise não é uma avaliação da qualidade do EP do grupo, mas sim como o TikTok influência as empresas e produtores a lançarem suas músicas. Uma música que não se encaixe no “padrão TikTok” é quase certa de floppar (termo usado com frequência por internautas ao expressar que um lançamento não deu certo).
Como disse anteriormente, o Newjeans praticamente popularizou mais ainda essa tendência com seu EP mais recente, Super Shy que foi lançado como comeback do grupo acabou viralizando no TikTok e se tornou um sucesso, o que fez mais ainda as empresas aderirem a prática de "músicas curtas com coreografia para viralizar”.
Que a tendência da música ser tratada mais como um produto para fama, dinheiro e sucesso do que como arte não é nenhuma novidade e não surgiu junto com o TikTok, mas, como já dito, a plataforma praticamente acelerou o problema de forma gritante, agravando uma coisa que já era complicada e um tópico controverso.
Música, por mais comercial que seja, ela é uma forma de arte, precisa ser apreciada, ouvida e sentida. O ouvinte quer ouvir o instrumental, ouvir uma letra que mexa com suas emoções, quer ouvir o cantor cantando e mostrando seu potencial, mas como fazer isso com músicas que praticamente mal conseguem ser absorvidas pela sua duração curta? Como se sentir tocado por letras que mal querem dizer alguma coisa? Como avaliar a técnica e o potencial de um cantor se mal se ouve ele cantar direito?
Se a indústria musical não começar a entender que ela não tem que se adaptar a uma rede social (e lembrar que elas vêm e vão, como exemplo do saudoso Orkut), a situação vai acabar levando a uma estagnação gigantesca e a uma queda de qualidade vertiginosa da indústria como um todo e no final quem sairá perdendo não será o TikTok, mas nós mesmo consumidores.