Nos dias de hoje consumimos conteúdos produzidos ou influenciados pela cultura drag, desde álbuns de cantoras pop como Renaissance da cantora norte-americana Beyoncé, diversos álbuns de Lady Gaga e tantas outras que inspiraram muitas queens e foram inspiradas por este universo. No Brasil temos artistas como Pabllo Vittar e Gloria Groove emplacando músicas nos topos dos charts de plataformas de consumo de músicas.
Mas este estilo de arte é mais antigo que muitos imaginam, o conceito está presente na história da humanidade desde os teatros na Grécia Antiga ou o Kabuki no século XVII no Japão, com os homens atores utilizando maquiagens e fantasias para interpretar personagens variados. Desde então o que conhecemos hoje como drag não parou de evoluir, abandonando apenas os palcos de teatros e tornando parte de muitos outros palcos e mídias.
A criação da persona inclui o uso de perucas, maquiagens e roupas exuberantes para alterar completamente a aparência fĩsica. Até traços da personalidade mudam devido a confiança conquistada pela liberdade de expressão. Sendo ela genuína e autêntica faz com que o sujeito se liberte da repressão enquanto performa aquilo que deseja.
O psiquiatra e psicanalista britânico Donald Winnicott introduz o conceito de verdadeiro self e falso self em 1960 para explicar parte do funcionamento psíquico, o falso self é descrito como a imagem criada para que o indivíduo se encaixe nas normas sociais impostas desde o início da sua existência, ou seja, é a ferramenta desenvolvida de ação para agradar o próximo – muitas vezes reprimindo a si mesmo.
Já o verdadeiro self diz respeito a autenticidade do sujeito, quem é independente das imposições externas. Segundo o próprio Donald Winnicott (...) Enquanto o self verdadeiro é sentido como real, a existência do falso self resulta em uma sensação de irrealidade e em um sentimento de futilidade.
Ironicamente, é com a “máscara” da maquiagem que tantas pessoas vivem o verdadeiro self, e sendo quem realmente são, os/as performers desconstroem e parodiam regras conservadoras e a heteronormatividade. Além de ser um ato libertador também é um ato político.
Drag queens e kings foram e continuam sendo figuras importantes nas causas LGBTQIAP+, principalmente para as populações marginalizadas. E atualmente tornou-se popular e está recebendo cada vez mais reconhecimento e crédito na cultura pop, abrindo caminhos para a celebração da expressão daquilo que já foi tão rejeitado.
O reality show RuPaul’s Drag Race é um grande exemplo de como a exposição do verdadeiro self além de entreter também inspira, pois, o sucesso da versão original estadunidense foi tanto que atualmente existem versões do programa de competição em muitos outros países. As drag queens se tornaram estrelas de TV e são aclamadas por um público gigantesco.
Expressar aquilo que está tão ela arte externaliza e afirma o verdadeiro “eu”, aquele que tanto o risco de ser esmagado pelas imposições e pelo desejo ou necessidade de se encaixar em grupos. Para Winnicott, o não reconhecimento equivale ao enlouquecimento, visto que o sujeito se perde dele mesmo e consequentemente suas ações ocorrem sempre pensando no outro e nunca visando as próprias necessidades.
A cultura drag que conhecemos atualmente tem suas raízes nos Ballrooms, eventos organizados para que sujeitos marginalizados da comunidade LGBTQIAP+ se reunissem, dançassem e competissem por diversão, era um espaço dedicado a liberdade de expressão artística, sem a homofobia, transfobia e outras formas de preconceito e violência presentes em praticamente todos os lugares daquela época.
Quando o indivíduo se reconhece e celebra o que é verdadeiro dentro de si, Winnicott diz que ele (...) pode reunir-se e existir como unidade, não como defesa contra a ansiedade, mas como expressão do - eu sou -, eu estou vivo, eu sou eu mesmo. Nesse posicionamento tudo é criativo.