Era verão, mas o sol ainda não estava no chão. De pés na água, calças semicerradas e vista embaçada - um homem, às cinco e vinte e sete, ao longo da madrugada, as mãos no mar gelado enterrava. Como quem não queria nada, fazia vista vaga — e em seus olhos azuis, uma manjuba pequena do tamanho de nada, cintilava. Ou seja, um prelúdio para uma nova questão ser, por ele, formulada.
De pele quase transparente, o homem de pele reluzente, tentava capturar aquela presença presente (quase que onipresente, da cor da água corrente, sendo de vista duvidosa e descrente), em um movimento que beira o contratempo — seu humilde “despassatempo”. Dizemos contratempo o que na verdade era uma imensa perda de tempo, pois a tentativa daquele homem de pegar aquele peixe não parecia, em hipótese alguma, ser possível. Ele não conseguia, no mínimo e até no máximo que fosse tocar no corpo afluente da manjuba transparente.
No homem, brilhavam os olhos, mas seus dentes rangiam de ódio. Algo não o estava auxiliando nessa pesca de estrago. Parava e observava ao redor se havia algo maior, e eis três coisas que ele considerou problema: o mar, a luz e a cor. Tais aspectos não deixavam o homem ver o peixe pouco aparente e em esplendor. Aquela manjuba estava contente, por estar presente, irritando aquele triste homem insolente.
Que tristeza para esse homem persistente, que de tanto tentar, de dor costas começava a se queixar: “maldita manjuba, desse maldito mar” — ele dizia a xingar, praguejar e, profundamente em seu mais perverso íntimo, preocupado ficar.
Na areia bege da praia, ao de joelhos ficar, começava de fome clamar: “ó manjuba do mar, tu queres de desejo me matar? deixe-me seu inútil corpo eu pegar” — dizia ele em alto mar, apenas para o pombo que passava, gargalhar. A manjuba nem o ouvia, mas estava atenta e a ele a fitar. De corpo pequeno, olhos nervosos, cor curiosa, atenta como era, a manjuba mesmo alenta… sentia a morte em suas barbatanas a coçar. Ela também tinha medo, ainda que o homem desacreditasse disso, visto que para ele, a manjuba, em si, é criatura isenta de ter sentimentos, algo que ali se expressava também a ideia do inverso, por parte do peixe sem verso.
O homem com mágoa, batia no raso da água. Bradava à água, e a manjuba chamava sem vê-la e querendo o corpo dela, em suas mãos tê-la. Dizia: “inútil és, só serve para servir a um convés, me deixe te pisar com meus pés” — o homem dizia e, ao nada, sorria. Ele atribuía ao peixe um lugar que uma dupla morte conseguiria ali causar: a do peixe e a da fome. Mas, a manjubinha não iria sucumbir e ao prever o golpe do homem na água fruir, ela logo se prontificou a fugir.
Tentando pegar a manjuba com as mãos, fez da própria camisa uma rede e mesmo assim não conseguia. Não enxergava nada na alvorada, e percebeu o quão inútil ele ali estava. Para sua infelicidade, melhor do que a manjuba aquele homem se achava, mas ali, na orla daquela praia, percebeu que utilidade nele não se encontrava.
“Sou um homem! um humano superior à sua vida” — à manjuba ele dizia e o peixe, com mágoa, em seu íntimo aquelas palavras digeria. O peixe tinha fé na incapacidade daquele homem de não conseguir tocá-lo. Para a manjuba, o peixe é útil para o homem que é um inútil em si.
A manjuba, em sua simplicidade, não se achava fraca ou inferior. Ela, que morava no mar, abraçou a ideia e uma posterior atitude, síncrona, de fugir daquela praia. Agora vendo a manjuba transparente ao amanhecer partir, o homem se sentou na água da praia e pôs-se em seu fracasso a refletir: o peixe é útil para mim, que aqui inútil a partir de hoje comecei a me sentir. Mesmo com toda suposta e contraditória inutilidade do peixe, aquele homem não conseguiu pegá-lo na água, às cinco e cinquenta e uma da manhã, pois apesar de enxergar, não o via. Esse era o limite da sua angústia diária e vazia.